Por que entrar neste assunto? Do que nos interessam e para que nos servem as teorias daqueles que não pertencem à Comunhão da santa Igreja instituída por Cristo? Ora a resposta para essas perguntas é, de fato, muito simples: é que importa saber, ao menos no nível mais essencial, o que eles pensam, para que saibamos responder com precisão quando formos atacados com os seus falsos argumentos – algo que ocorre tão frequentemente. Os protestantes – se é que ainda podemos assim nos referir a todos eles com um único título, como se fosse um só grupo coeso, já que hoje essa denominação abarca uma imensidão de comunidades e seitas, muitas das quais pouca relação ou semelhança mantém entre si, e menos ainda com as ideias iniciais de Lutero –, não têm um sistema propriamente doutrinário, nem se apegam a tal coisa. Historicamente, os princípios que hoje aceitam, amanhã, se for preciso e conveniente, desprezam e rejeitam. Trataremos das divisões mais relevantes para o assunto em pauta neste tópico.
Os Tradicionais, ortodoxos ou históricos — Identificam a Revelação com a Inspiração: toda a Revelação estaria contida nos Livros Sagrados, sua única fonte. A Sagrada Escritura teria sido “ditada” pelo Espírito Santo, sendo que tal ditado se estenderia até às pontuações dos massoretas. O modo de saber se um livro é inspirado se daria pelo testemunho do mesmo Espírito Santo (durante a leitura!) da Sagrada Escritura mesma.
Pietistas e racionalistas — O papel do hagiógrafo não seria meramente passivo. Seriam inspirados os livros que simplesmente suscitam elevação e ajudam nos bons costumes. O elemento humano, que unicamente excita pios sentimentos, deve ser eliminado. Numa sentença: para eles, não é Deus que fala nos livros, mas são os livros que levam a Deus. Aqui, portanto, a razão humana vai servir como árbitra da Fé.
Deístas — Negam qualquer influxo providencial de Deus sobre os homens. Assim a Revelação não passaria de um fenômeno natural. Tal ideologia influi sobremaneira na doutrina dos racionalistas.
Semirracionalistas — Negam a ideia de Inspiração e invertem o sentido das palavras, ensinando que o Espírito Santo seria apenas o “sentir da comunidade cristã”, fonte de toda ideia religiosa. Portanto, todo o livro que exprime tal sentir pode ser considerado “inspirado”. A autoridade da Escritura residiria simplesmente na sua relação com o sentimento religioso.
Protestantismo hodierno — Abandonando quase toda a teoria mais tradicional, estes consideram como mais importante que tudo a Revelação, de tal sorte que esta tomaria o lugar da Inspiração (que também atua nos rumos da Igreja). Inspirados são os livros que atestam o fato da Revelação divina. Creem em uma “autoridade” própria da Bíblia sobre qualquer outro elemento, como a Tradição apostólica e a Doutrina do sagrado Magistério, porque para eles a Fé não se relaciona com o intelecto, transparecendo apenas no modo prático de se viver, moral e religiosamente. Tal modo de viver seria auxiliado direta e exclusivamente pelo uso das Escrituras.
As Escrituras, de algum modo, inspirariam por elas mesmas no leitor o Espírito de Deus(!).
Modernismo — Os modernistas ensinam que a Inspiração não passa de uma agitação, um fervor como o entusiasmo do poeta ao escrever belas letras. Este é o grande mal dos nossos tempos, que desgraçadamente assola também (e mais intensamente) a Igreja Católica. Usando do termo católico, adulteram-no, negando a verdadeira Inspiração. Foram condenados no decreto Lamentabili, do gigante e santo Papa Pio X (de 3 de julho de 1907), no qual sentenciou dogmaticamente:
É para se lamentar profundamente que também entre os católicos se encontrem não poucos escritos que, ultrapassando os limites demarcados pelos santos Padres e pela própria Santa Igreja, a pretexto de mais elevados conhecimentos e em nome de considerações históricas, procuram esse progresso dos dogmas, o que, na realidade, não é senão a sua corruptela. (Introdução)