VEIO UM QUERIDO ESTUDANTE de nossa Formação, o Maurício Araújo, trazer-nos há algum tempo uma pergunta para a qual a resposta se faz importantíssima a todo aquele que procura observar retamente à Sã Doutrina da Igreja Católica e Apostólica. Segue:
“Em absoluto, acrescentamos e agregamos (…) com o consentimento e a autoridade de todos, que qualquer bispo ou diácono que haja sido ordenado na Igreja Católica e depois se haja levantado contra ela (…) se celebram intentam contra o único Sacrifício divino, oferecendo sacrifícios falsos no altar (…) É necessário que os sacerdotes e ministros que servem ao Altar e aos Sacrifícios sejam íntegros e imaculados” (Epístola 72,2). (Cipriano de Cartago)
[Citado em Nabeto, Carlos Martins. A Igreja de Cristo. Série Citações Patrísticas. Vol. 4. Ed. 1ª. 2004.]
Caríssimos, esta citação de Cipriano de Cartago, como pode acontecer? Como um sacerdote, ao se colocar contra a Igreja, pode fazer um sacrifício falso no altar? Isso tem a ver com Docetismo?
Em primeiro lugar, quando surge uma pergunta desse tipo, é preciso esclarecer logo de início que é importantíssimo entender uma verdade: não há nenhum grande teólogo – nem um sequer, nem Santo, nem mesmo algum Doutor da Igreja ou mesmo um grande Pai da Igreja –, que possamos considerar infalível. Não é, pois, possível pinçar uma citação patrística específica, como esta acima apresentada, por sinal retirada da obra de coletânea de um irmão em Cristo a quem muito admiro – e citá-la fora do seu devido contexto, seja para provar ou para refutar qualquer proposição que seja. Se agirmos assim, seremos muito semelhantes aos protestantes, que costumam selecionar sempre na Bíblia determinadas passagens, as quais, tomadas fora do seu contexto e finalidade, parecem confirmar as suas doutrinas, até contra a Igreja de Cristo.
É de fato notável como nosso Bom e Providente Deus fez com que até mesmo os gigantes da Fé católica “escorregassem” em algum ponto, talvez para nos lembrar que homem algum é infalível, e por maior que seja a sua autoridade, nem mesmo eles estão isentos de falhas. Santo Agostinho, por exemplo, inadvertidamente deu “munição” aos protestantes que dizem que Pedro não é a “Pedra”, caindo numa falha impensável para um Doutor da sua estatura, e até mesmo o nosso “Doutor Comum”, Santo Tomás de Aquino, possivelmente o maior de todos os teólogos que já pisou esta Terra, errou gravemente em uma matéria importante, negando a Imaculada Conceição de Maria, algo que para nós, hoje, é dogma de Fé: para ele, a Virgem Maria teria que ter sido purificada do Pecado original, pois convinha que assim ela fosse concebida; diz ele que a união dos sexos só pode ser realizada com libidinagem após o Pecado original, algo que automaticamente transmitiria o Pecado aos filhos; assim, os pais da Virgem teriam transmitido a ela o Pecado:
…se ela (Nossa Senhora) não tivesse sido concebida com pecado original, não teria necessidade de ser redimida por Cristo; assim, Cristo não teria sido o redentor de todos, e isso degradaria a dignidade de Cristo. Deve-se, pois, ter que ela foi concebida com pecado original, mas dele purificada de algum modo especial.[1]
A Virgem Maria, para Santo Tomás, permanecia inclinada ao pecado como toda pessoa humana; porém, quando o Anjo Gabriel lhe anunciou que iria conceber o Filho de Deus, apenas então essa inclinação teria sido extinta. Essa doutrina tomista erra desastrosamente, e foi preciso que Duns Escoto, um teólogo que em todos os sentidos é considerado muito inferior ao grande Doutor Angélico, lhe corrigisse o erro, estabelecendo aquilo que o Magistério a Igreja definiria infalivelmente depois.
Sim, pois para nós, católicos, o que temos como fontes infalíveis são apenas as Sagradas Escrituras e as decisões do Santo Magistério, conforme apresentadas por um Papa legítimo, quando declara e define fazer uso das Chaves recebidas por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Cabe fazer esta ressalva inicial porque há um costume muito enraizado, hoje, de se apresentar o posicionamento de algum grande Santo da Igreja como uma espécie de selo autenticador, para se tentar rafiticar determinada posição, por exemplo em discussões de internet a respeito de problemas intrincados e/ou de difícil solução. Bem, a palavra de um grande Santo tem sempre muito peso, sim, mas geralmente é preciso confrontá-la com aquilo que a Igreja ensina em suas decisões oficiais.
É possível enxergar claramente, nesses escorregões épicos de grande Santos e Doutores, o imenso zelo da Providência divina pelo nosso bem, sempre a nos alertar para a constante falibilidade humana, e da necessidade que temos de bons pastores que nos conduzam. Algo realmente admirável!
Dito isso, apenas para que ficasse claro, podemos agora afirmar que sim, o dizer de São Cipriano de Cartago, citado por Maurício, é verdadeiro e plenamente atual. Sim, é possível que sejam oferecidos falsos/inválidos sacrifícios no santo Altar de Deus. Para tanto, basta que não se cumpram as exigências da Igreja que conferem validade aos Sacramentos. Para que os Sacramentos – inclusive o Santo Sacrifício – sejam válidos, segundo formulação definida durante o reinado de Pio XII, são necessárias as seguintes condições:
1) que a matéria seja válida;
2) que a fórmula seja correta (ou a ‘forma’, que se dá na recitação das palavras corretamente proferidas);
3) que sejam conferidos por um ministro válido (em situações extraordinárias, pode não ser um sacerdote);
4) que haja, da parte do ministro, a intenção ou o desejo de fazer aquilo que a Igreja sempre fez ao ministrar os santos Sacramentos.
Nessa última condição, como se pode deduzir, reside a maior dificuldade. Nestes dias de crise extraordinária em que vivemos, somos postos em muitas situações nas quais a intenção do celebrante parece duvidosa, o que pode pôr em risco a salvação das nossas almas. Quem de nós, por exemplo, já não passou pela experiência de, após acusarmos os nossos pecados na Confissão sacramental, notarmos que o padre não recitou a fórmula necessária para a nossa absolvição? Terrível? Sim, e mais do que isso.
Cabe dizer que nem a ignorância e nem a má formação, assim como também os pecados (mesmo se forem graves) ou ainda as falhas morais do sacerdote não impedem que ele ministre validamente os Sacramentos. Mas…
…Mas se ele não seguir as fórmulas prescritas pela Igreja e não tiver a correta intenção de cumprir o que manda a Igreja e fazer o que a Igreja sempre fez, isto pode, sim, comprometer a Missa que ele celebra, a Absolvição que ele confere e todos os demais Sacramentos que ele ministra.
Fique claro: Pode-se conceber que um sacerdote, mesmo excluído da Comunhão da Igreja, ainda possa consagrar validamente. Mas a Consagração feita por um padre excomungado é ilícita e, mais do que isso, aqueles que se encontram separados da Igreja não podem legitimamente oferecer o Sacramento, cometendo por isto um grave pecado e pondo em risco a Fé dos fiéis pela sua conduta. Portanto, fora da Igreja não pode haver Sacrifício espiritual santo e verdadeiro, ainda que pudesse sê-lo, no dizer de Santo Tomás, “pela verdade do sacramento. (…) Assim como também o pecador recebe o corpo de Cristo sacramentalmente, mas não espiritualmente” (Summa Teol., III pars. Q. 82, Art. 7.). Ao contrário, sabemos por São Paulo Apóstolo que aquele que recebe indignamente o Corpo de Cristo, o recebe não para o seu bem, mas para a sua condenação (cf. 1Cor 11,27ss). Porém…
…Retornando para trás e insistindo mais uma vez (ficamos como a andar em círculos nesta questão): se não há a fórmula prescrita e a correta intenção, as quais são condições necessárias – respondendo diretamente à pergunta feita, para a válida consagração do pão e do vinho na Eucaristia – então sem dúvida temos aquilo que denunciava São Cipriano de Cartago na citação que aqui discutimos: trata-se de um falso sacrifício feito sobre o Altar.
* * *
Em consequência, surge comumente uma pergunta que nos é feita sempre: naqueles casos realmente graves, de padres que por sua conduta e pregações heréticas parecem não dispor da necessária intenção para que possam ministrar validamente os Sacramentos em Comunhão com Cristo, ou dos “criativos” que inventam os seus próprios ritos, é possível que o fiel católico deixe de assistir Missa aos domingos e dias de preceito, sem pecar gravemente?
À essa pergunta eu deixei que alguém respondesse por mim, pelo vídeo que compartilho abaixo:
Obs. final: Quanto à segunda parte da pergunta feita, realmente não entendi a relação suposta entre o problema da validade da Missa com o da antiga heresia dos docetistas (docetismo), os quais afirmavam a não materialidade do Corpo de Nosso Senhor, crendo que Cristo não assumira verdadeiramente carne humana (negavam, pois, a Encarnação), mas viera ao mundo apenas em espírito.
[1] SANTO TOMÁS DE AQUINO, Compêndio de Teologia, cap. 224, Da santificação da Mãe de Cristo. Porto Alegre: Concreta, 2015, p. 435.
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