Módulo 9: Dogmática 1 | Inteligência e vontade

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Expressaram os grandes teólogos uma mesma verdade – usando de termos abstratos – sobre o recíproco e colaborativo influxo da inteligência e da vontade na origem (gênese) do ato de fé dos seres humanos. Veremos de que modos se dão as atuações de ambas.

A inteligência, como preparação, deve ser capaz de perceber que aceitar o Testemunho divino é razoável, e logo ter conhecimento do fato da Revelação. Em outras palavras, cumpre-lhe perceber a força, a evidência intrínseca dos argumentos apologéticos objetivamente válidos.

Já para que isso aconteça, muito contribui a boa disposição da vontade. A inteligência deve, em seguida, autenticar o ato de fé: aderir firmemente à Revelação e aos seus conteúdos, por causa da Autoridade de Deus que o revelou. Porém, como nesse passo não “vê” nem é capaz de compreender racionalmente – pois os mistérios divinos são para nós obscuros –, permaneceria hesitante e duvidosa, se a vontade não a movesse a acolher o Testemunho divino.

E a vontade só pode mover porque ama. Queremos crer (vontade), porque aceitar a Verdade misteriosa e divina nos aparece como um bem desejável, o qual amamos, por ser o meio de testemunhar a Deus com confiança e obediência, já por nos saciar secretas ânsias, já por nos ajudar a bem viver, já também porque tememos as consequências de resistir, e assim queremos evitar pecar contra a Luz para mergulhar nas trevas, etc.

* * *

Assim é que temos o recíproco influxo da inteligência e da vontade.

1) A inteligência, por motivos vários, apresenta à nossa vontade a Fé como um bem;

2) aliciada por este bem, a vontade livre quer acreditar;

3) em retorno a inteligência, obediente, aceita a Revelação beatificante; e então se produz o Ato de Fé.

Este mesmo Ato vem suprir a incompreensão racional dos mistérios a inabalável confiança na Verdade suprema.

A história de Paul Claudel (foto) ilustra maravilhosamente bem o esforço conjunto das duas faculdades: aos 18 anos o poeta, viciado nos costumes e com o espírito subjugado pelos argumentos cientificistas, converteu-se a Cristo numa tarde de Natal, quando visitava, por acaso, a Notre Dame de Paris. Numa intuição fulminante, “viu” com os olhos da Fé a Verdade fundamental da Religião cristã: “Deus existe! Ele está aqui! é um Ser tão pessoal quanto eu! Ele me ama! Ele me chama!”…[1]

E acreditou; acreditou com adesão tão firme que, assegura ele, as vicissitudes de uma longa vida agitada jamais conseguiram abalar nele a Fé. Contudo, a própria rapidez da conversão impediu que a inteligência de Claudel se adaptasse desde logo às novas convicções. Subsistia-lhe intacta, no espírito, uma grande quantidade de objeções à Revelação, e também os antigos apelos das doutrinas materialistas anticristãs. Daí que a inteligência do jovem poeta se encontrava como que esquartejada, dividida entre as verdades da Fé, que ora admitia, e as teorias cientificistas às quais sua inteligência religiosa era, humanamente, incapaz de responder. Um dolorosíssimo conflito, que perdurou por diversos anos, até que Claudel conseguisse restabelecer sua harmonia interior.

O que lhe sustentou a Fé durante essas muitas, longas e duras lutas? O que foi que lhe fixou a inteligência na adesão à Verdade divina, apesar de todas as objeções? Evocando aqueles anos tormentosos, Claudel escreveu em uma de suas odes:


Ó meu Deus, lembro-me dessas trevas em que estávamos face a Face; essas sombrias tardes de inverno em Notre Dame. Eu, sozinho, bem no fundo da igreja, alumiando a face do grande Cristo de bronze com uma vela de cinco vinténs.

Todos os homens estavam contra nós – e a ciência, e a razão –, e eu não respondia nada.

Só a Fé estava em mim, e eu vos olhava em silêncio; como um homem que prefere o seu amigo[2].


Prestemos atenção à estreita correspondência entre o quadro exterior, a situação para quem a via de fora, e o interior desse homem, o estado da alma do poeta. De fora a escuridão, por vezes opressiva, dessa majestosa, belíssima e grande catedral gótica; mas, contra toda treva, como lutava o jovem Claudel?

Segurando uma vela, pequenina e barata, cuja luz bruxuleante lançava alguns tênues reflexos sobre a grande imagem do Cristo em bronze. Por dentro, na alma do neófito, igualmente reinava escuridão – as trevas derramadas por aqueles homens que argumentavam em nome de uma ciência mal entendida – e Claudel, ali sozinho, não sabia como contestar; não adquirira ainda aquele vasto cabedal de saber teológico que admiraríamos depois em seus escritos. Só dispunha da Fé, a tremeluzir no meio da vasta escuridão assim como sua velinha na penumbra da imensa catedral. Mas o que lhe fortalecia a chama, e apesar de tudo impedia que se extinguisse? – O amor por Cristo, e ele só.

Se caluniam um bom amigo nosso, alguém que conhecemos bem e em quem confiamos, contando sobre ele alguma mentira que o desonra – e nós, por desconhecermos o caso, não sabemos como defendê-lo –, ainda assim sentimos e sabemos que deve haver algum equívoco, que a história apresentada não é e nem pode ser verdadeira; preferimos manter fé em nosso amigo, mesmo sem saber o que passou, até que ele possa explicar tudo. Não é assim que fazemos? Pois assim é que Claudel se colocava diante dos sábios deste mundo, que atacavam a sua Fé recém adquirida, sem saber o que lhes responder. Olhava para o crucifixo de bronze, mantinha a confiança em Cristo – como faz “um homem que prefere seu amigo”.

Sim, pode ser difícil às vezes, e será, confiar em um Deus que não se mostra, a não ser sutilmente. Ele não deixa de dar sinais, você sabe, e Ele faz milagres nas vidas de todos nós. Ele realmente atende aos seus pedidos e anseios com muita frequência, enviando seus auxílios quase que diariamente. Mas… um grande mal do homem é esquecer. E nos esquecemos muito facilmente de todos os benefícios que Deus nos têm feito, e nossa adesão a Ele é abalada a cada tribulação, a cada dificuldade que surge. Quantas vezes fomos débeis para reatar essa relação, vencer uma crise de Fé, reaproximar-nos d’Ele e voltar a confiar inteiramente, com a força e a simplicidade de uma criança? De fato, se formos honestos, veremos que não somos capazes, por nossas próprias forças, de perseverar nesse Caminho. Que fazer, então?


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[1] Vide em “O Fiel Católico” a descrição completa da conversão de Paul Claudel, em:
www.ofielcatolico.com.br/2008/12/o-primeiro-natal-de-paul-claudel.htm

[2] CLAUDEL, Paul. Ma conversion (coletânea de Th. Mainage: Les Témoins du renouveau catholique,
Paris: Beauchesne, 1919, pp.63-71; Cinq grandes odes, p. 164, apud PENIDO (1956), p. 24s.

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A BÍBLIA CONFIRMA A SANTA IGREJA

A BÍBLIA COMO “ÚNICA REGRA” É HERESIA:
 
“Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular.”
(2 Pedro 1,20)
 
“Escrevo (a Bíblia) para que saibas como comportar-te na Igreja, que é a Casa do Deus Vivo, a coluna e o fundamento da Verdade.”
(1Timóteo 3,15)
 
“…Vós examinais as Escrituras, julgando ter nelas a vida eterna. Pois são elas que testemunham de Mim, e vós não quereis vir a Mim, para terdes a vida.”
(João 5,39-40)
 

“Porque já é manifesto que vós (a Igreja) sois a Carta de Cristo, ministrada por nós (Apóstolos), e escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração (…); o qual nos fez também capazes de ser ministros de um Novo Testamento, não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica.”
(2Cor 3,3.6)

A IGREJA SEMPRE OBSERVOU A TRADIÇÃO APOSTÓLICA
 

“Em Nome de nosso Senhor Jesus Cristo, apartai-vos de todo irmão que não anda segundo a Tradição que de nós recebeu.”
(2 Tessalonicenses 3,6)

“Então, irmãos, estai firmes e guardai a Tradição que vos foi ensinada, seja por palavra (Tradição), seja por epístola nossa (Bíblia). ”
(2 Tessalonicenses 2, 15)
 
JESUS CRISTO INSTITUIU O PAPADO
 

“Tu és Pedra, e sobre essa Pedra edifico a minha Igreja (…). E eu te darei as Chaves do Reino dos Céus; e tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus.”
(Mateus 16, 18)

“(Pedro,) apascenta o meu rebanho.”
(João 21,15-17)

“Irmãos, sabeis que há muito tempo Deus me escolheu dentre vós (Apóstolos), para que da minha boca os pagãos ouvissem a Palavra do Evangelho.”
– S. Pedro Apóstolo, primeiro Papa da Igreja de Cristo (Atos dos Apóstolos 15, 7)
 
“Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, confirma os teus irmãos.”
– Jesus Cristo a S. Pedro (Lucas 22, 31-32)
 
A IGREJA SEMPRE VENEROU MARIA COMO MÃE DE DEUS
 

“Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe do Senhor? (Mãe do Senhor = Mãe de Deus, pois Jesus é Deus)”
O Espírito Santo pela boca de Isabel à Virgem Maria (Lucas 1,43)

“De hoje em diante, todas as gerações me proclamarão Bem-aventurada!”
– Santíssima Virgem Maria, Mãe de Nosso Senhor
(Lucas 1, 48)

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“Há um só Senhor, uma só Fé, um só Batismo”
(Efésios 4,5)

“Ainda que nós ou um anjo baixado do Céu vos anuncie um evangelho diferente do nosso (Apóstolos), que seja anátema.”
(Gálatas 1, 8)

NÃO HÁ SALVAÇÃO SEM A EUCARISTIA
 

“Em Verdade vos digo: se não comerdes da Carne e do Sangue do Filho do homem, não tereis a Vida em vós mesmos.”
(João 6, 56)

“Minha Carne é verdadeiramente comida, e o meu Sangue é verdadeiramente bebida.”
(João 6, 55)
 
“O Cálice que tomamos não é a Comunhão com o Sangue de Cristo? O Pão que partimos não é a Comunhão com o Corpo de Cristo?”
(1ª aos Coríntios 10, 16)
 
A IGREJA SEMPRE CREU NA INTECESSÃO DOS SANTOS, QUE ROGAM POR NÓS NO CÉU
 

“E a fumaça do incenso subiu com as orações dos santos, da mão do anjo, diante de Deus.”
(Apocalipse 8, 4)

“Aqui (no Céu) está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os Mandamentos de Deus e a Fé em Jesus.”
(Apocalipse 14, 12)
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