Os exageros dos escrupulosos – o vício de falsear a realidade que é típico das consciências escrupulosas, levando o cristão a uma exigência interior muito mais alta do que a verdadeira Moral cristã exige, fazendo-o buscar para si uma perfeição irrealizável que o faz sofrer até desânimo, é um perigo real e sempre presente.
A verdadeira Ascética, porém, não busca um sofrimento sem sentido, pela autopunição injusta que só leva à decepção e, no fim, ao desânimo e ao abandono da busca da perfeição e, em última análise, à perda da própria Fé; por isso, distingue entre o preceito e o conselho, entre as almas chamadas à mais alta perfeição e as que o não são, e é preciso saber aceitar e reconhecer tais realidades.
Apesar das instâncias com as almas de eleição, para as elevar às alturas inacessíveis aos cristãos ordinários, a Ascética não esquece a diferença entre os Mandamentos e os conselhos, as condições essenciais à salvação e aquelas requeridas pela perfeição; todavia, mesmo essa busca pela perfeição deve observar com muito cuidado uma série de condições particulares da alma que a empreende.
A escrupulosidade também traz às almas o risco de se deixar de lado necessários e justos cuidados com as questões temporais e as obrigações do estado, para se dedicar radical e exclusivamente à vida espiritual, o que é um erro. Não somos anjos e não alcançamos ainda a vida eterna no Céu. Enquanto estivermos no mundo, continuará sendo necessário o cuidado com nossos corpos e nossa subsistência. Todavia, que a salvação de nossa alma deve ser a primeira das nossas preocupações, é o que expressamente ensina Nosso Senhor: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (Mt 16,26). Disto, porém, deduz-se o necessário bom senso e o frutuoso equilíbrio entre todas as coisas. A Ascética encaminha as almas para a contemplação, mas não procura, com isso, mesmo afastá-las da vida ativa. Ora seria necessário ignorar a História para se crer que a contemplação prejudica a ação: Os verdadeiros místicos são homens de senso prático e de ação, não de raciocínio e teoria. Não passou Nosso Senhor quarenta dias e quarenta noites jejuando e meditando, retirado do mundo, no deserto? Ainda assim, também não participava Ele, quando fosse oportuno, de festas? Não comia e bebia? Não aceitava convites para jantares em casa de boas pessoas?
No verdadeiro asceta não há sombra de materialismo, apego ao dinheiro ou às posses, e nem de egoísmo, porquanto uma das condições essenciais à salvação é a caridade para com o próximo, que se manifesta por obras tanto corporais como espirituais. A perfeição exige que amemos o próximo a ponto de nos sacrificarmos por ele, como Jesus o fez por nós. E também é virtuoso o espírito da organização, o dom do comando, e revelam-se muito úteis naqueles dotados para os bons negócios. As obras, que fundam oferecem oportunidades e melhoria de vida para muitos; São capazes de conceber e dirigir as suas empresas, dosando com sabedoria a prudência e o arrojo, e dessa justa apreciação das possibilidades que o Bom Deus lhes concede, praticam boas obras. Mas de nada se escravizam, nada antepõem a Deus, nada os impede de buscar antes de tudo o Reino de Deus. Sim, são raras tais pessoas, mas nem tanto. Boa parte dos grandes mestres da vida espiritual eram também, ao mesmo tempo, bons homens de ciência e empreendedores de grandes realizações; assim como Clemente de Alexandria, São Basílio, São João Crísóstomo, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Gregório, Santo Anselmo, São Bernardo, Santo Alberto Magno, São Francisco de Sales, São Vicente de Paulo, São João Bosco, São Luís Orione e muitíssimos outros. A contemplação, longe de ser um obstáculo à ação e às realizações temporais, pode servir para esclarecê-la e e dirigi-la.
Nada, pois, mais nobre, mais importante e também mais útil que a Teologia Ascética bem compreendida.