Recentemente, em um grupo de estudantes de Teologia do WhatsApp, surgiu um debate sobre a cena da série “The Chosen” em que o Parto de Nossa Senhora é retratado de modo totalmente equivocado, para dizer o mínimo: na produção, Maria Santíssima é retratada dando à luz o Filho de Deus com fortes dores, entre gritos. Por que essa concepção é totalmente falsa? Porque, segundo a boa Teologia, Maria foi sempre Virgem, antes, durante e depois do parto. Se permaneceu Virgem, não houve dores de parto nem uma grande agonia. É o que veremos agora.
Trazemos à consideração uma verdade que deve fazer despertar, na alma de todo homem, um respiro em meio a tantas dificuldades, uma alegria e um consolo. A virgindade, que virtude tão esquecida nos dias de hoje! Porém não falamos da virgindade enquanto virtude cristã para todo o gênero humano, mas sim da especialíssima e incomparável Virgindade de Nossa Senhora.
Muitos se perguntam, não totalmente desprovidos de razão, por que a Igreja dá tanta importância a essa questão, ou por que identifica tanto a virgindade de Maria à sua pureza, se as relações sexuais entre homem e mulher são abençoadas por Deus — foram criadas por Ele antes de tudo —, e de tal modo podem ser santificadas que, ora, é por meio delas que a própria humanidade se perpetua. E a resposta está, justamente, no fato de estarmos tratando aqui de ninguém menos que a própria Mãe de Deus.
“Uma Virgem só poderia conceber a um Deus, e um Deus só poderia nascer de uma Virgem”.
Nesta conhecida frase de São Bernardo de Claraval pode-se resumir o dogma da Virgindade perpétua de Maria Santíssima. Porém, é preciso conhecer bem a profundidade de tão grande mistério a fim de firmarmos mais nossa devoção a Maria Santíssima. Este ponto da doutrina católica não admite opiniões ou divergências, pois (atendendo a um anseio da totalidade do orbe católico) o Papa São Martinho I definiu como dogma, no primeiro Concílio Lateranense, em 649:
“Se alguém não confessa, em conformidade com os santos Padres, que a Santa Mãe de Deus e sempre Virgem, e Imaculada Maria, propriamente e segundo a verdade concebeu do Espírito Santo, sem cooperação viril, ao mesmo Verbo de Deus, que desde todos os séculos nasceu de Deus Padre, e Ela incorruptivelmente O engendrou, permanecendo indissolúvel sua virgindade, antes como depois do parto, seja condenado.”
(D 256)
A virgindade consiste na perfeita integridade da carne, e se distingue em três modos: sua existência sem propósito de mantê-la, sua perda material inculpável, e sua existência com inquebrantável propósito de conservá-la sempre e por motivos sobrenaturais. A este último modo é que nos referimos ao falar da virgindade de Nossa Senhora, no nível mais alto e até inconcebível para nós, homens. É o que nos atesta a Revelação com o profeta Isaías no seu capítulo 7 (4): “Eis que uma virgem conceberá”. E também São Mateus: “Ela concebeu por obra do Espírito Santo” (1,23).
Porém a verdade teológica da virgindade de Maria Santíssima não se restringe apenas ao período antes do parto, pois como mesmo afirmou o concílio de Latrão, Maria foi sempre Virgem, isto é, antes durante e depois do parto.
A Teologia encontra no mesmo relato de Isaías (7,4) uma revelação de que Nossa Senhora permaneceu Virgem também durante o parto, pois o profeta não só afirma que uma Virgem conceberá, mas que, além disso dará à luz.
Santo Tomás de Aquino a fim de nos mostrar a razão de conveniência da Virgindade de Maria durante o parto afirma: “Convinha que não lesasse a honra da Mãe o que havia mandado honrar aos pais”[1].
Porém, como se deu este parto virginal?
A Teologia nos explica que Nosso Senhor Jesus Cristo se utilizou da sutileza própria ao Corpo Glorioso, uma vez que sua alma estava na visão beatífica e o estado normal de seu corpo era glorioso. Essa explicação não vai de encontro com a revelação, pois os Evangelhos nos falam mais de uma vez ter Jesus utilizado esta propriedade (Cf. Lc 4,29-30; e Jo 20,19).
Uma bela figura de como se operou este milagre nos é dada pelo teólogo Contenson:
“Assim como a luz do sol banha o cristal sem rompê-lo e com impalpável sutileza atravessa sua solidez, e não o rompe quando penetra, nem quando sai o destrói, assim o Verbo de Deus, esplendor do Pai, entrou na virginal morada e dali saiu, fechado o claustro virginal, porque a pureza de Maria é um limpíssimo espelho que nem se quebra pelo reflexo da luz, nem é ferido por seus raios.”[2]
Seria supérfluo falarmos sobre a conservação da virgindade de Maria Santíssima depois do parto. Entretanto, é neste ponto que muitos inimigos da Igreja procuram ofender a pureza ilibada da Mãe de Deus.
Santo Tomás de Aquino nos apresenta algumas razões que nos mostram a incongruência de imaginar a corrupção da Virgem Maria:
“Seria ofensivo à perfeição de Cristo, que pela natureza divina é o Filho unigênito e absolutamente perfeito do Pai (Jo 1,14; Heb 7,28), e convinha, assim, que fosse também Filho unigênito da Mãe, como seu fruto perfeitíssimo. […]
“De maneira que absolutamente temos de afirmar que a Mãe de Deus, assim como concebeu e deu à luz a Jesus sendo virgem, assim também permaneceu sempre virgem depois do parto.”
Poderia parecer um tanto suspeitas certas expressões do Evangelho dentre as quais sobressai a firmação que Nosso Senhor Jesus Cristo possuía irmãos e irmãs (Mt 13,55-56; Lc 8,19; Jo 2,12; At 1,14; I Cor 9,5). Ouçamos o renomado teólogo Fr. Royo Marín responder a esta possível objeção tão primária, no entanto muitas vezes usadas pelos inimigos da Virgem:
“É muito frequente na Sagrada Escritura usar os nomes irmão e irmã em sentido muito amplo, para designar qualquer espécie de parentesco. Assim Ló, que era filho de um irmão de Abraão (Gn 12,5), é chamado ‘irmão’ deste patriarca (Gn 13,8). Jacó é chamado ‘irmão’ de Labão, que na realidade era seu tio (Gn 29,15). […] E no Novo Testamento é muito frequente chamar ‘irmãos’ a todos os que creem em Cristo. Os chamados ‘irmãos’ e ‘irmãs’ do Senhor não eram filhos de Maria, cuja perpétua virgindade está fora de dúvida. […] [Trata-se por certo] de primos, por serem filhos de algum parente de Maria. Ou de algum irmão de São José.”[3]
Temos assim uma pequena fundamentação daquela verdade que está tão enraizada na alma de todo católico: Maria foi virgem antes, durante e depois do parto. Esperemos que esta breve consideração tenha podido possibilitar ao leitor pelo menos um momento de reconforto de alma, pois é impossível que ao considerarmos a virgindade da Mãe de Deus e nossa, sejamos esquecidos por Ela.
Que Ela nos ajude a enfrentar as dificuldades deste vale de lágrimas, e assim podermos gozar eternamente do seu convívio no Céu.
[1] Tradução da Suma Teológica, B.A.C., Madrid, 1955, t. XIII, p.55, apud CLÁ DIAS, João. Pequeno ofício da Imaculada Conceição comentado. São Paulo: Artpress, 1997.
[2] CONTENSON, Fr. Vicent. Theologia mentis et corporis. Paris: Vivés, 1875, p. 291, apud Clá Dias, João. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição comentado. São Paulo: Artpress, 1997, p.357.
[3] ROYO MARÍN, Antonio. La Virgem María. Madrid: BAC, 19
Referência:
BARROS, Millon. “Maria foi Virgem antes, durante e depois do parto!”, disp. em:
https://academico.arautos.org/2013/09/maria-foi-virgem-antes-durante-e-depois-do-parto/
Acesso 20/3/2024.