O Dicastério para a Doutrina da Fé divulgou hoje um documento que detalha sobre novas normas relativas a casos de relatos de fenômenos sobrenaturais. Em regra, nem o bispo local nem a Santa Sé poderão mais declarar que tais fenómenos sejam de origem sobrenatural, mas apenas autorizar e promover a devoção e/ou as peregrinações.
As novas normas para o discernimento supostos fenômenos sobrenaturais entram em vigor já no domingo, dia 19 de maio, Festa de Pentecostes. O documento é precedido por uma apresentação detalhada do Cardeal Víctor Manuel Fernández, vulgo “Dom Tucho”, atual Prefeito do Dicastério, e vem seguida de uma introdução e seis possíveis conclusões. O procedimento permite decisões mais rápidas.
Regra geral, a autoridade da Igreja já não estará envolvida na definição oficial da natureza sobrenatural de um fenómeno, um processo que costuma exigir muito tempo para estudos.
Outra nova norma decide sobre o envolvimento explícito do Dicastério para a Doutrina da Fé, que deve aprovar a decisão final do bispo local e que tem autoridade para intervir motu proprio a qualquer momento.
Muitos casos nas últimas décadas envolveram o antigo Santo Ofício, mesmo quando bispos individuais se manifestaram. No entanto, as intervenções geralmente permaneceram nos bastidores e nunca foram tornadas públicas. O novo envolvimento explícito do Dicastério também se relaciona com a dificuldade em circunscrever fenómenos, que em alguns casos atingem dimensões nacionais e até globais, o que, segundo o documento, “significa que uma decisão tomada numa Diocese tem consequências também noutros lugares”.
Razões para as novas normas
O documento tem origem na longa experiência do século passado, que viu casos em que bispos locais declararam rapidamente a natureza sobrenatural de um fenómeno, apenas para o Santo Ofício expressar mais tarde uma decisão diferente. Outros casos envolveram um bispo dizendo uma coisa e o seu sucessor decidindo o contrário em relação ao mesmo fenómeno.
Cada evento também exigiu longos períodos de discernimento para avaliar todos os elementos, a fim de se chegar a uma decisão sobre a natureza sobrenatural ou não dos fenômenos. Esses períodos de tempo contrastavam por vezes com a urgência de dar respostas pastorais para o bem dos fiéis.
O Dicastério começou a revisar tais normas em 2019, levando ao texto atual aprovado por Francisco em 4 de maio deste ano.
Dos frutos e riscos espirituais
Na sua apresentação, o Cardeal Fernández cita que, “muitas vezes, estes acontecimentos levaram a uma grande riqueza de frutos espirituais, crescimento na fé, devoção, fraternidade e serviço. Em alguns casos, deram origem a santuários em todo o mundo que estão hoje no centro da piedade popular de muitas pessoas”.
No entanto, existe também a possibilidade de que “em alguns eventos de suposta origem sobrenatural” possam surgir questões graves que prejudiquem os fiéis. Incluem-se aqui os casos em que dos supostos fenômenos derivam “lucro, poder, fama, reconhecimento social ou outro interesse pessoal” (II, Art. 15, 4°), até o ponto de “exercer controle sobre pessoas ou realizar abusos (II, Art. 16).”
Pode haver “erros doutrinários, uma simplificação excessiva da mensagem do Evangelho ou a difusão de uma mentalidade sectária”. Existe a possibilidade de os crentes “serem enganados por um acontecimento atribuído a uma iniciativa divina, mas que é apenas produto da imaginação de alguém, do desejo de novidade, da tendência para fabricar falsidades ou da inclinação para mentir”.
Diretrizes gerais
De acordo com as novas normas, a Igreja exercerá os seus deveres de discernimento, com base no seguinte:
“(a) se os sinais de uma ação divina podem ser verificados em fenômenos que se alega serem de origem sobrenatural; (b) se há algo que entre em conflito com a fé e a moral nos escritos ou mensagens das pessoas envolvidas nos alegados fenómenos em questão; (c) se é permitido apreciar os seus frutos espirituais, se eles precisam ser purificados de elementos problemáticos, ou se os fiéis devem ser avisados sobre riscos potenciais; (d) se é aconselhável que a autoridade eclesiástica competente realize o seu valor pastoral” (I, 10).
Contudo, “não está previsto nestas Normas que a autoridade eclesiástica dê um reconhecimento positivo da origem divina dos supostos fenômenos sobrenaturais” (I, 11).
Portanto, em regra, «nem o Bispo Diocesano, nem as Conferências Episcopais, nem o Dicastério declararão que estes fenómenos são de origem sobrenatural, mesmo que seja concedido um Nihil obstat. O Papa, porém, poderá autorizar um procedimento especial a esse respeito” (I, 23).
As conclusões possíveis sobre um suposto fenômeno
O discernimento de um suposto fenômeno sobrenatural pode chegar às seis conclusões seguintes.
- Nihil Obstat: Sem expressar qualquer certeza sobre a autenticidade sobrenatural do próprio fenômeno, são reconhecidos muitos sinais da ação do Espírito Santo. O bispo é encorajado a valorizar o valor pastoral e a promover a difusão do fenómeno, incluindo as peregrinações;
- Prae oculis habeatur: Embora sejam reconhecidos importantes sinais positivos, também se percebem alguns aspectos de confusão ou riscos potenciais que exigem do bispo diocesano um cuidadoso discernimento e diálogo com os destinatários de uma determinada experiência espiritual. Se houvesse escritos ou mensagens, talvez fosse necessário esclarecimento doutrinário;
- Curatur: Notam-se elementos críticos diversos ou significativos, mas o fenômeno já está amplamente difundido e a ele estão ligados frutos espirituais verificáveis. Portanto, não se recomenda uma proibição que possa perturbar os fiéis, mas aconselha-se o bispo local a não encorajar o fenómeno;
- Sub mandato: As questões críticas não estão ligadas ao fenômeno em si, mas ao seu uso indevido por pessoas ou grupos, como ganhos financeiros indevidos ou atos imorais. A Santa Sé confia a liderança pastoral do lugar específico ao bispo diocesano ou a um delegado;
- Prohibetur et obstruatur: Apesar de vários elementos positivos, as questões críticas e os riscos associados a este fenómeno parecem ser muito graves. O Dicastério pede ao bispo local que ofereça uma catequese que possa ajudar os fiéis a compreender as razões da decisão e a reorientar as suas legítimas preocupações espirituais;
- Declaratio de non supernaturalitate: O Dicastério para a Doutrina da Fé autoriza o bispo local a declarar que o fenômeno não é sobrenatural com base em fatos e evidências concretas, como a confissão de um suposto visionário ou testemunhos credíveis de fabricação de o fenômeno.
Fonte:
Vatican News, “Vatican releases new norms on alleged supernatural phenomena”, em:
www.vaticannews.va/en/vatican-city/news/2024-05/dicastery-doctrine-faith-supernatural-phenomena-norms.html
Acesso 17/5/2024.