PERDOAR É UMA ATITUDE que depende de uma decisão que pode ser das mais difíceis. Quando alguém pede perdão a outro, está dizendo que reconhece o seu erro e a sua culpa, e que, por isso, põe-se na presença de quem prejudicou ou injuriou, por meio de palavras ou atos (ou pela ausência destes) que feriram a sua dignidade, propriedade ou sensibilidade. Pedir perdão é, também, uma forma de humilhar-se. E perdoar, por sua vez, é responder que reconhece a sinceridade no arrependimento daquele que vai ao seu encontro com a disposição de mudar de atitude.
Algo muito estranho vem acontecendo em nossos dias: é que as pessoas perderam a vergonha e o receio de pedir desculpas. Antigamente, nossos avós sentiam-se constrangidos em colocar-se diante do outro e se expor assim, de se humilhar e reconhecer os próprios erros. Hoje, as pessoas acham muito mais fácil pedir desculpas. Bem, à primeira vista essa mudança de atitude parece boa, algo como uma evolução das consciências. Seria coisa muito boa que as pessoas tivessem se tornado menos orgulhosas e mais abertas ao próximo, mais predispostas a pedir perdão e a reconhecer as próprias faltas, falhas e desvios.
Mas há um problema, porque facilmente se nota que a coisa não é bem assim. O problema é que, agora, as pessoas pronunciam as palavras “desculpa” e “perdão” com muita facilidade, mas, na maioria das vezes, isso é feito apenas da boca para fora, sem que realmente se considere o que essas palavras implicam, ou no que significa esse gesto e essa atitude. É muito fácil para qualquer pessoa extrovertida dizer: “Desculpe”, ou talvez, como se diz hoje: “Foi mal…”. Mas a questão é que essas palavras vêm sendo ditas sem reflexão, sem um real sentido de arrependimento, sem a firme e sincera disposição interior para a mudança de atitude, para não voltar a repetir o erro a partir daquele ponto, a partir da decisão que deveria ser assumida naquele momento. O que vem ocorrendo – desgraçadamente –, é a banalização do gesto sagrado de se pedir perdão.
Quando alguém pede desculpas com sinceridade é porque se arrependeu do que fez, porque decidiu que não fará de novo a mesma coisa e reconhece a necessidade de uma real mudança de atitude. Um pedido de desculpas sincero é um exercício de humildade; é uma bela e valiosa demonstração de grandeza de alma. É um gesto importante, sério, definitivo. Exatamente por isso é que a verdadeira adesão a Cristo e à sua Igreja chama-se “conversão”. Converter-se é mudar radicalmente de rumo, é inverter a direção em que se segue, é realizar uma mudança de 180 graus no percurso que se estava empreendendo.
Igualmente, o momento em que alguém pede desculpas ao seu próximo é verdadeiramente um momento solene, ainda que não haja pompa ou aparente solenidade. É uma solenidade para as almas, tanto para a que se dobra quanto para a que recebe o pedido. Dizer “desculpe por isso” ou “me perdoe por ter feito aquilo” envolve necessariamente um desejo de mudança e uma disposição honesta para tanto.
Entretanto, temos visto pedidos fúteis de perdão, seguidos da repetição da mesma falta que motivou o pedido, ás vezes pouco tempo depois. Isso demonstra que o pedido de perdão não foi sincero, não foi verdadeiro e, portanto, não foi válido.
O mesmíssimo se dá na Confissão sacramental. Sim, é verdade que até estaremos sujeitos a voltar a cair na mesma tentação, após termos confessado o pecado, mas quando temos a firme decisão de mudar, quando o arrependimento por ter ofendido a Deus é honesto e sincero, então a tendência é que aquele pecado, no mínimo, vá se tornando cada vez menos recorrente, até chegar o momento em que seja vencido e não volte mais a acontecer. Se eu tenho uma tendência para o orgulho ou soberba, por exemplo, e procuro o confessionário para me livrar daquela culpa específica, se a minha confissão foi mesmo válida, o resultado é que a partir dali eu vou evitar cair novamente no mesmo vício (que é um dos pecados capitais).
Talvez ainda volte a tropeçar pelo mau hábito, porque certos pecados são mesmo verdadeiros vícios, que por vezes nos dominam e cegam. Mas, se eu for honesto e estiver numa busca autêntica por cumprir a Vontade de Deus em minha vida, então eu vou com dedicação evitar cair naquele pecado, e assim cairei menos. Certamente não voltarei a cometer o mesmo pecado no mesmo dia em que o confessei, a não ser que a minha confissão não tenha sido sincera, porque eu não estava verdadeiramente arrependido; e se não estava, então a confissão sequer foi válida. Eu nem mesmo fui perdoado por Deus, e permaneço em pecado, no caso, mortal.
Temos aqui uma questão importantíssima, fundamental: o reflexo da Confissão bem feita é a mudança de atitude e de postura que se reflete no agir, isto é, a verdadeira conversão que se nota na vida do fiel. Muitos nos perguntam se a sua Confissão foi bem feita, sobre como confessar validamente e coisas desse tipo (o que já respondemos aqui), mas não se atentam a esta simples realidade: se a sua Confissão foi bem feita e válida, isso pode se comprovar por meio do resultado prático em sua vida. Se você continua a cair nos mesmos pecados já confessados, sem progressão alguma, sem nenhum aperfeiçoamento na vida cristã, sem nenhuma diferença prática e perceptível nos seus modos, então há sério motivo para se preocupar.
Retornando à dimensão humana, o poder do perdão é algo realmente grande, tremendo, transformador. A própria ciência humana e os estudos da psicologia debruçaram-se sobre este tema, por exemplo na elaboração da psicanálise1, e o comprovou de muitas maneiras. O enfoque pode recair sobre as relações interpessoais e institucionais, ou numa visão meramente psicológica e mesmo biológica, filosófica, sociológica e/ou política, mas o poder curativo e benéfico do perdão — para quem pede e para quem concede —, é sempre constatado acima de qualquer dúvida. A sacralidade do perdão, revelada nas páginas da Bíblia Sagrada, representa uma contribuição muito especial para a compreensão da necessidade de superação das linhas cruzadas e da eliminação das rupturas que se estabeleceram nas relações humanas, por numerosos motivos.
Observe o leitor quanto é curioso o mundo em que vivemos: consta de uma matéria publicada há algum tempo na revista Veja, de autoria da jornalista Júlia Carvalho, que, segundo o professor e filósofo norte-americano Charles Griswold (Universidade de Boston), exigem-se:
“…três passos básicos para se obter o perdão. Primeiro, deve-se assumir a responsabilidade pelo erro. Segundo, é preciso repudiar claramente esse erro, mostrando que não se pretende repeti-lo. Terceiro, deve-se exprimir o arrependimento pela dor causada ao próximo…”
Chega a ser engraçado para um católico. Aquilo que é considerado, hoje, uma descoberta da pesquisa científica, a Doutrina da Igreja Católica já o proclama há milênios, ao apresentar as exigências para que o fiel, ao recorrer ao Sacramento da Penitência, obtenha o perdão dos seus pecados contra Deus e contra o próximo. Com efeito, para que esse Sacramento produza seus efeitos, exigem-se as mesmíssimas atitudes elencadas pelo tal professor.
A Confissão válida, que tem como resultado a reconciliação, é a que leva o penitente à mudança de vida. Exige: a contrição (reconhecimento dos pecados); a confissão propriamente dita (a autoacusação, perante o confessor, desses mesmo pecados); a satisfação (reparação dos pecados cometidos, não voltando o confessor a repeti-los deliberadamente). Como penitência, o confessor impõe uma pena ao penitente, correspondente, na medida do possível, à gravidade e à natureza dos pecados cometidos. Que é a penitência? Uma espécie de prova do sincero arrependimento, que serve também para depurar a alma.
Os grandes e poderosos benefícios do perdão, sob vários aspectos, o confirmam as vozes de quem faz a experiência. Um desses aspectos é a paz da consciência. O relacionamento entre pessoas, grupos e nações fica ameaçado quando determinados sentimentos, palavras, atitudes e omissões ferem o seu direito. Quando tal acontece, criam-se estremecimentos nos relacionamentos que, em muitos casos, rompem os vínculos saudáveis e desejáveis, por vezes mesmo aqueles de consanguinidade e/ou os mais sólidos laços de amizade. O perdão é sempre muito benéfico para todos, e muitos só conseguem reiniciar a sua história de vida porque eliminam a razão do distanciamento criado na convivência e nos relacionamentos; isso acontece porque é dado um passo de qualidade quando se exclui, do coração e dos pensamentos, toda mágoa, todo ranço, todo rancor. A psicologia e a espiritualidade identificam os benefícios do perdão na vida das pessoas pelo testemunho unânime dos que conseguiram perdoar-se, mutuamente.
Para muitos, o perdão é benéfico por ser uma conquista humana; para os cristãos, além dessa dimensão imanente, mais rasa, está muito clara a exigência que Jesus Cristo colocou na oração do Pai Nosso: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.
Fiel católico, não tenha medo de pedir perdão ao seu próximo. Mas que seja um pedido verdadeiro e sincero, aberto e livre, despojado de receios, abundante em generosidade e amor-caridade.
E também não tenha medo de olhar para dentro de si, logo depois de pedir o Auxílio do Espírito Santo, sabendo que Deus é Amor e infinito em misericórdia, se as suas intenções forem sérias. Olhe para o mais fundo de si, para os mais escuros e escondidos recônditos de sua mente e de sua alma. Livre-se de todo o entulho, toda porcaria, toda imundície acumulada. Não tenha medo e não guarde nada que possa, depois, atravancar a sua vida. Jogue tudo fora! Não receie humilhar-se diante do sacerdote, contando seus piores e mais podres pecados, expondo seu passado e seus mais feios sentimentos, desejos, rancores, tendências, más inclinações… Porque ali, naquele momento e lugar, o padre é Cristo à sua frente, pronto a ouvi-lo. E de fato Ele já sabe e conhece — melhor do que você mesmo — tudo o que você tem para expurgar. Livre-se de todo peso e sujeira, e agradeça pela disposição do sacerdote em ajudá-lo a salvar a sua alma.
Cumpra a sua penitência e saia da igreja sentindo toda a leveza, de cabeça erguida, feliz de corpo e de alma, reconhecendo-se como parte da infinita Vida de Deus. E assim, perdoado e limpo, não vacile em perdoar prontamente também o seu próximo, que pecou contra você e agora se arrepende. Assim você será um bom amigo de Deus!
1. SHEEN. Fulton. A Paz da Alma, São Paulo: Molokai, 2017, p. 147ss.