Distingue São Paulo Apóstolo duas categorias de humanos: o homem “animal”, que não entende as coisas do Espírito de Deus (que lhe parecem ‘loucura’) e de fato não as pode entender, porquanto elas só se discernem espiritualmente; e o homem “espiritual”, este que entende bem, pois recebeu “o Espírito que vem de Deus para que possa conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus” (1Cor 2,12-15). Aquele que de animal quiser tornar-se espiritual, deverá, antes de tudo, à imitação homem do pobre do Evangelho, clamar “com lágrimas, dizendo: ‘Eu creio, Senhor, mas vem em socorro à minha falta de Fé!’” (Mc 9,24).
Deus jamais recusa tal pedido, quando é sincero. Sua graça inspirará à inteligência aquela absoluta confiança na Palavra divina, que levará à aquiescência incomovível no fato e no conteúdo da Revelação; dará também à vontade as disposições morais de que carece, em particular o desejo de possuir e saborear a Verdade de Cristo, a força de arrancar-se ao fascínio das paixões e de abater as pretensões da soberba. Quando a alma não resiste à graça preveniente, o Senhor responde ao movimento filial de confiança e amor inicial, unindo-nos em espírito à sua Verdade, de sorte que nosso pensamento adere estreitamente ao Pensamento de Deus.
Virtude unitiva de espírito a Espírito, a Fé diviniza a inteligência humana. “Quem conhece o pensamento do Senhor, para que o possa instruir? Nós, porém, temos o pensamento de Cristo” (1Cor 2,16). O Verbo que é Luz – não apenas fria claridade, senão também vida (cf. Jo 1,4) – veio luzir aos olhos de todos. Porém sua Luz só ilumina, de fato, os olhos dos que n’Ele creem (Jo 12,36); Só estes têm em si a “Luz da vida” (Jo 8,12). Seres intelectuais e membros do Verbo encarnado, essa dupla qualidade há de se refletir antes de tudo na ordem de conhecimento. Os fiéis terão assim o saber sobrenatural que convém aos membros da Igreja: pela união à divina Cabeça, diviniza-se-lhes o espírito ao ponto de receber uma irradiação ou comunicação do conhecimento d’Aquele que é o pensamento do Pai. A Fé é, em última análise, o Verbo-luz misticamente presente à nossa inteligência, continuando nela a sua vida.
Em síntese:
1. A Fé é o fundamento da vida cristã, o primeiro movimento do espírito que quer chegar a Deus.
2. O objeto da Fé – o conjunto das verdades que devermos crer – é Deus na sua realidade profunda e na sua providência. Por outras palavras, Deus em Si e como o fim de nossa vida, Autor de nossa salvação. Em clima cristão, esse Objeto se explicará detalhadamente em uma série de dogmas: Trindade, Encarnação, Redenção, Eucaristia, etc.
3. O motivo pelo qual cremos é a Autoridade absoluta do Testemunho veraz de Deus que se revela.
4. O ato de Fé é a firme adesão de nossa inteligência às verdades reveladas.
5. Esse mesmo ato é fruto da mútua cooperação da inteligência e da vontade livre, como também correspondência de ambos ao influxo da Graça sobrenatural.
Primeiro, a inteligência deve: a) perceber quão razoável é crer na Palavras divina (argumentos de credibilidade); b) assentir firmemente à Revelação (creio que Deus revelou, creio no Deus Uno e Trino, etc.);
Segundo: a vontade livre – à qual a inteligência já apresentou a Fé como um bem desejável – fixa a mesma inteligência nas razões de crer, impele-a a aderir à Palavra divina (‘creio porque quero e devo crer’);
Terceiro: todo esse trabalho em conjunto terminaria em pura fé humana e não divina, se a Graça não iluminasse o intelecto e movesse a vontade, inclinando-as à ordem sobrenatural do conhecimento (Fé como virtude infusa, dom de Deus).