Temos estudado a fundo as questões da problemática relacionada ao influxo da inteligência e da vontade na origem do ato de fé do ser humano. Vimos já que as atuações de ambas essas forças precisam ser recíprocas e colaborativas, e que a inteligência, como preparação, deve ser capaz de perceber que aceitar o Testemunho divino contido na Revelação é racional e razoável, percebendo a evidência intrínseca dos argumentos apologéticos objetivamente válidos. E vimos como para que tal coisa aconteça, contribui de maneira fundamental a boa disposição da vontade. A inteligência deve aderir à Revelação em razão da Autoridade de Deus que é o seu Autor, mas como não vê nem é capaz de compreender racionalmente aquilo a que esta aderindo, pela vontade se move a acolher o Testemunho divino. Por fim, constatamos que a vontade só pode mover porque ama. Queremos crer (vontade), porque aceitar a Verdade misteriosa e divina nos aparece como um bem desejável, o qual amamos, também por nos saciar as mais profundas ânsias humanas e por nos ajudar a viver bem. Assim é que temos o recíproco influxo da inteligência e da vontade.
Como, todavia, pode ser difícil confiar totalmente em um Deus que não se mostra (a não ser sutilmente, como por meio de sinais mais ou menos claros, como nos milagres e ao atender nossos pedidos), se formos honestos, veremos que não somos capazes, por nossas próprias forças, de perseverar nesse caminho de Fé. Que fazer, então? A resposta é que não há muito o que possamos fazer, de nossa parte, já que não basta o trabalho irmanado da inteligência e da vontade; a solução de tudo está, sobretudo, no auxílio que nos vêm do Alto, no influxo da Graça.
A fé meramente humana, natural, fundada apenas na probabilidade do que propõe a Sã Doutrina, para que se firme e nos conduza realmente à salvação eterna, necessita do influxo da Graça. É a Fé sobrenatural, que completa e consuma aquela nossa adesão inicial ao Evangelho. Este influxo é dom de Deus e não vem de nós mesmos, como atesta o Apóstolo naquela passagem tão mal compreendida por Lutero: “Pela graça fostes salvos, por meio da Fé, e isso não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2,8). Tanto no processo de receber a Fé quanto no da salvação de nossas almas, tudo é obra divina; a nós, criaturas, compete e é suficiente a coragem para aceitar essa grande dádiva e para permitir que esse ato mude radicalmente nossa vida, em todos os níveis. A Fé cristã verdadeira e plena encontra-se acima do esforço humano. Crer é aderir ao Espírito de Deus. A fim de poder acolher, aceitar esse dom transcendente, é necessário que nosso espírito seja elevado ao nível divino, sintonize a realidade sobrenatural à qual se unirá. Qualquer esforço humano estaria fora de proporção. Caberá, pois, a Deus tomar toda a iniciativa, movendo-nos a crer. “Ninguém pode vir a Mim, se o Pai que me enviou não o conceder” (Jo 6, 44,66).
Concluímos, assim, dizendo que para vermos as coisas sob a luz da Fé, precisamos como que receber novos “olhos”: olhos sobre-humanos.
Ponderemos, agora, a obscuridade dos mistérios da Fé, isto é, o quanto são inacessíveis em suas maiores profundidades à nossa capacidade intelectiva. Contemplá-los requer, de fato, a mortificação perene da nossa racionalidade. É preciso avançar além de toda a nuvem da soberba intelectualizada (sempre empesteada de heresias e/ou sofismas de todo tipo) que sempre ameaçou a Sã Doutrina, e avançar também além das duras exigências morais que os hipócritas gostam de impor aos outros, geralmente sem observá-las eles próprios, levando junto de si apenas a pureza do desejo mais sincero, para se compreender que até a mais sólida e brilhante apologética, elaborada pelo mais douto dos homens, seria insuficiente se não fosse sustentada pela Graça, e que a própria vontade humana se perderia em caprichos e fantasias, se não fosse movida pelo Espírito Santo.
Como nos sentiríamos incitados a nos entregar ao sobrenatural, se aquilo que é próprio da ordem sobrenatural não atuasse sobre nós? É como uma inspiração interior que nos convida a crer; e então se aviva em nós uma luz que “ilumina os olhos de nosso entendimento” (Ef 1,18) para que mais facilmente possamos perceber a força das razões de crer, discernir os sinais da presença do sobrenatural, entrever a beleza da Verdade cristã. Cristo nosso Senhor então abre o nosso entendimento para que possamos compreender as verdades sublimes contidas nas Sagradas Escrituras (cf. Lc 24, 45). A Fé nos dá essa nova maneira de ver, como que “pelos olhos de Deus”, isto é, os olhos que vislumbram todas as coisas a partir da eternidade.
Ao mesmo tempo, a vontade é retificada em nós e nos inclina acima de nossas fraquezas, solícita ao atrativo da Verdade, convidada a aderir ao Bem divino que é nosso maior bem – o Sumo Bem, Deus. O Espírito Santo nos incita a dizer “sim” à voz do Criador e nosso Salvador que nos ama, suscitando em nossas almas uma inclinação à vida eterna, que nos faz ceder às solicitações divinas. Tornamo-nos mais santos, mais perfeitos, mais felizes, esquecidos de nossos antigos egoísmos e mesquinharias e abertos à perfeição do Céu.