Módulo 2: Ascética e Mística 3 (prática) | Viver e crescer interiormente


Conhecer-se a si mesmo. Com base na direção espiritual do Padre F. W. Faber, C.O.


Vimos na aula anterior que o conhecimento do nosso próprio estado espiritual pode ser árduo e até arriscado. Isso porque, por um lado, pode causar sofrimento e desânimo saber o quanto estamos atrasados, e por outro pode provocar uma espécie de orgulho espiritual o saber que estamos indo razoavelmente bem. Por outro lado, é importante que tenhamos uma noção no tocante à condição da vida espiritual em que atualmente nos encontramos, porque essa consciência nos levará a adquirir a verdadeira humildade cristã. Sendo assim, o menor conhecimento que nos possa acalmar e edificar já será o bastante, porque é muito difícil procurar esse saber com retidão, e usá-lo com moderação. Não podemos, porém, dispensá-lo de todo, ainda que sua importância varie segundo a condição de cada indivíduo.


– Manual prático para a vida interior, Lição I –
Desenvolver e cultivar a virtude da Humildade


A humildade para nós se constitui exatamente nessa mais perfeita consciência – que evolui conforme nossas capacidades vão se aprimorando pela prática diária e constante –, da nossa condição decaída, das nossas capacidades limitadas e das nossas inclinações para o pecado e para os vícios. Sim, somos fracos; sim, somos todos escravos[1] de muitas grandes e pequenas coisas e também, muitas vezes, de outras pessoas, e somos escravos do dinheiro e de um sistema social que não escolhemos; sim, somos dependentes de muitas coisas alheias a nós mesmos; sim, somos incapazes, pelas nossas próprias forças, de alcançar uma evolução espiritual realmente importante. Mas aqui cabe abrir parênteses para esclarecer que a consciência de toda essa miséria não nos deve entristecer ou fazer surgir o desânimo. Ao contrário, devemos nos animar por saber que – justamente quando aceitarmos profundamente a nossa condição miserável –, teremos então encontrado e tomado o precioso antídoto que fará mudar tudo. Que nos levará da condição de vermes rastejantes para a glória luminosa de homens e mulheres dignos, belos e fortes, cheios de esperança e de uma alegria que nunca cessa. Não é esta a descrição dos nossos grandes Santos? E como foi que eles chegaram onde chegaram, a não ser começando pela mais extrema humildade?

Há também aqueles que querem fazer da humildade necessária aos cristãos um caminho de radicalismo que em muitos casos não convém e que não é para todos. Ora nem a todos nós cabe uma opção radical como aquelas que foram feitas por almas imensas como São Francisco de Assis ou São Bento de Núrsia.

Assumir o caminho da santidade e dedicar-se ao crescimento interior/espiritual não significa que teremos que abrir mão de uma carreira, vestir trapos e dormir sobre o chão duro. Nem que será preciso viver uma vida só de abstinências e renúncias. Cada um de nós recebe do Alto uma missão, e com essa missão vem junto um dom ou um carisma, com as capacidades que nos serão necessárias para realizá-la. Só precisamos de vontade e de coragem. Isso não está necessariamente ligado à pobreza extrema ou a uma vida só de dores e sofrimentos. Tivemos muitos grandes santos que foram pessoas financeiramente ricas, a começar por São José de Arimateia, homem abastado e ilustre, bem posicionado socialmente, membro do Sinédrio, a mais elevada magistratura do povo hebraico na época. Pois foi este um destacado seguidor e amigo intimo do próprio Jesus Cristo. Por seu poder e influência, o Corpo Santo de Nosso Senhor foi dignamente sepultado, e não lançado em cova rasa como se fazia com os criminosos naquele tempo e lugar. Vemos então que Deus sabe usar de cada um que se coloque docilmente à disposição dos seus desígnios e que o ame sobre todas as coisas, e aqui está a resposta: aquele que ama mais ao dinheiro e àquilo que ele pode comprar do que a Deus, este é culpado de idolatria. Mas aquele que ama a Deus e é rico não peca. Antes, usará de sua condição para fazer o bem e saberá mortificar-se, abstendo-se das tentações que certamente sofrerá em maior medida do que as pessoas mais pobres.

Conhecer assim profundamente a verdade inescapável da nossa miséria e da nossa pequenez, sabendo que isso vem junto com a nossa própria finitude e a brevidade de nossas vidas, e manter essa consciência constantemente em mente, é o melhor caminho para a verdadeira humildade cristã, que nos fará lucrar muito espiritualmente e será a solução para muitos males da alma. Existem técnicas de meditação perfeitamente cristãs que nos levam ao autoconhecimento e consequentemente à humildade, mas isto será assunto para um estudo futuro. Todavia, já a partir deste módulo/fascículo, começaremos a realmente praticar o que estudamos, através de técnicas ortodoxas e seguras.

O pecado capital do orgulho

Assim, quando sei o quão pequeno, incapaz e recorrentemente infiel a Deus eu sou ou sempre tendo a ser, tanto mais humilde me torno. Quanto mais me conscientizo da minha total dependência do poder de Deus e da divina Providência para atingir qualquer resultado e, bem antes disso, até para continuar existindo saudável e capaz de apreender qualquer coisa, mais e mais aumenta a minha humildade. Pois é difícil imaginar pecado que não tenha a sua origem no maldito orgulho. O orgulho ou soberba é um pecado capital universal, também por ser natural para todos nós, herdeiros do Pecado original, e que cresce em nossos corações como a erva daninha que insiste em crescer num jardim, por mais bem cuidado que seja.

Na imaginação popular, os gatos têm sete (ou nove) vidas. Mas o pecado capital do orgulho tem milhões de vidas, ou vidas infinitas. Parece impossível matá-lo, exterminá-lo, acabar de uma vez com ele. Mesmo quando tentamos muito vencê-lo, sermos humildes e cultivar a modéstia em nossas vidas, ele volta a brotar, às vezes até mesmo daquilo que deveria destruí-lo, pois a grande contradição é esta: muitos sentem orgulho ou se ensoberbecem pela própria simplicidade(!). Gloriam-se por não ter vaidade ou por viver de um jeito simples, mas acusam àqueles que possuem valores diferentes dos seus de serem orgulhosos. O orgulho é geralmente um pecado inconsciente. Assim é que, muitas vezes, os mais orgulhosos são aqueles que pensam que não têm orgulho nenhum: gloriar-se da própria humildade é tomar um banho de orgulho.

Por instalar-se sem ser notado, é tão perigoso. Insistentemente, Nosso Senhor nos adverte nos Evangelhos: não devemos julgar o outro; ainda que este conselho divino tenha sido muitíssimo deturpado e usado como desculpa para a licenciosidade, não há dúvida de que esta é, sim, uma grande demonstração da verdadeira humildade. A simplicidade leva as pessoas a se respeitarem umas às outras, pois quem é realmente simples e humilde não julga seu próximo, sabendo que é também ele próprio pecador, logo não procura controlá-lo e nem presta atenção demasiada aos detalhes que não dizem respeito à sua própria vida. O orgulho foi o primeiro pecado cometido pelos seres humanos; tem sua origem na antiga Serpente, representação do mal e da mentira, que o transmitiu à Eva, mãe da raça humana pecadora.

“Bem aventurados os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.(…) Portanto, quem se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus.” (Mt 5, 5.11.18)


São muitíssimas as passagens das Sagradas Escrituras que enfatizam a importância e santidade da humildade e da simplicidade, mas também há abundantes indicações de como evitá-lo, como veremos agora.

A maneira de vencer o orgulho, evidentemente, é cultivar a humildade (ao falar das virtudes, voltamos sempre a ela). Vimos que cultivar a humildade é uma prática espiritual de vital importância, a qual conduzirá a uma imensa evolução no crescimento interior de todo cristão. Conhecer o sentido da humildade já é o primeiro passo para começar a adquiri-la verdadeiramente e vencer o orgulho. Humildade é a qualidade daqueles que não tentam se projetar sobre o outro. É saber que, para que um seja feliz, o outro não precisa sucumbir, ao contrário – e viver segundo esta convicção. A plenitude nunca será possível enquanto houver um irmão sofrendo, seja logo ao lado ou num país distante. Portanto, não será possível antes do retorno de Nosso Senhor e a restauração total que Ele trará.

O vocábulo “humildade” vem do Latim “humus”, que significa “terra, solo; chão”. Sendo humildade a virtude que nos dá a consciência exata de nossa pequenez, fraqueza e modéstia diante de Deus Todo-Bom e Todo-Poderoso, vem daí o costume antigo de prostrar-se por terra diante da Glória e da Perfeição divinas. O ser humilde nos concede um sentimento de reverência e de imenso respeito por Deus, e isso necessariamente se estende ao mundo que nos cerca, à natureza e principalmente ao nosso próximo, pois também são obras do mesmo Deus.

Ser humilde é ser também mais humano, pois é ser consciente da própria condição humana, por um lado privilegiada e especialíssima, por outro frágil e pequenina, se comparada à enormidade da Criação e ao Infinito da Majestade divina.

Ser humilde é, por fim, ser parecido com o Bem Amado Jesus, que além de Deus e Salvador, foi o maior Mestre que pisou a face da Terra. Mesmo assim, sua vida neste mundo refletiu humildade infinita do começo ao fim, em cada atitude sua. O Rei dos reis viveu uma vida simplérrima desde o nascimento, pôs-se de joelhos para lavar os pés aos discípulos (você faria algo parecido?) e se entregou à tortura e à horrenda morte de cruz, o mais humilhante castigo daquele tempo.

Você consegue imaginar o Rei da Glória, o Príncipe da Paz, o Leão de Judá, o Filho de Deus eterno e Todo-Poderoso, sendo Deus Ele mesmo, submetendo-se aos soldados romanos, levando cusparadas, apanhando, recebendo chutes, socos, sem reclamar? Sendo chicoteado e coroado com espinhos, depois exposto ao público, para ser escarnecido, blasfemado… E suportando tudo isso, mudo como um cordeiro?

Eis é a maior das maiores provas de humildade que já existiu, e só poderia ter partido de Jesus, o maior de todos os exemplos que temos para entender que o orgulho, além de pecado gravíssimo, é enorme estupidez. Lembre-se, porém: a prática da humildade, que vence o pecado capital do orgulho, se dá de si para si mesmo, na observância da própria insignificância e no reconhecimento das próprias incapacidades e imperfeições. Não é você que deve julgar o orgulho ou a humildade do seu próximo, e sim somente Deus. Conscientizar-se disso já é um começo.

Nota:

[1] Pois “cada um é escravo daquilo que o domina”, conforme ensinam as Escrituras (2Pedro 2,19s). Sejamos, então, servos d’Aquele que é o único que pode nos dar a perfeita liberdade e a vida eterna, e que por amor se doa pelo nosso bem.

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A BÍBLIA CONFIRMA A SANTA IGREJA

A BÍBLIA COMO “ÚNICA REGRA” É HERESIA:
 
“Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular.”
(2 Pedro 1,20)
 
“Escrevo (a Bíblia) para que saibas como comportar-te na Igreja, que é a Casa do Deus Vivo, a coluna e o fundamento da Verdade.”
(1Timóteo 3,15)
 
“…Vós examinais as Escrituras, julgando ter nelas a vida eterna. Pois são elas que testemunham de Mim, e vós não quereis vir a Mim, para terdes a vida.”
(João 5,39-40)
 

“Porque já é manifesto que vós (a Igreja) sois a Carta de Cristo, ministrada por nós (Apóstolos), e escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração (…); o qual nos fez também capazes de ser ministros de um Novo Testamento, não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica.”
(2Cor 3,3.6)

A IGREJA SEMPRE OBSERVOU A TRADIÇÃO APOSTÓLICA
 

“Em Nome de nosso Senhor Jesus Cristo, apartai-vos de todo irmão que não anda segundo a Tradição que de nós recebeu.”
(2 Tessalonicenses 3,6)

“Então, irmãos, estai firmes e guardai a Tradição que vos foi ensinada, seja por palavra (Tradição), seja por epístola nossa (Bíblia). ”
(2 Tessalonicenses 2, 15)
 
JESUS CRISTO INSTITUIU O PAPADO
 

“Tu és Pedra, e sobre essa Pedra edifico a minha Igreja (…). E eu te darei as Chaves do Reino dos Céus; e tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus.”
(Mateus 16, 18)

“(Pedro,) apascenta o meu rebanho.”
(João 21,15-17)

“Irmãos, sabeis que há muito tempo Deus me escolheu dentre vós (Apóstolos), para que da minha boca os pagãos ouvissem a Palavra do Evangelho.”
– S. Pedro Apóstolo, primeiro Papa da Igreja de Cristo (Atos dos Apóstolos 15, 7)
 
“Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, confirma os teus irmãos.”
– Jesus Cristo a S. Pedro (Lucas 22, 31-32)
 
A IGREJA SEMPRE VENEROU MARIA COMO MÃE DE DEUS
 

“Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe do Senhor? (Mãe do Senhor = Mãe de Deus, pois Jesus é Deus)”
O Espírito Santo pela boca de Isabel à Virgem Maria (Lucas 1,43)

“De hoje em diante, todas as gerações me proclamarão Bem-aventurada!”
– Santíssima Virgem Maria, Mãe de Nosso Senhor
(Lucas 1, 48)

NÃO HÁ VÁRIAS IGREJAS E SIM UMA SÓ
 

“Há um só Senhor, uma só Fé, um só Batismo”
(Efésios 4,5)

“Ainda que nós ou um anjo baixado do Céu vos anuncie um evangelho diferente do nosso (Apóstolos), que seja anátema.”
(Gálatas 1, 8)

NÃO HÁ SALVAÇÃO SEM A EUCARISTIA
 

“Em Verdade vos digo: se não comerdes da Carne e do Sangue do Filho do homem, não tereis a Vida em vós mesmos.”
(João 6, 56)

“Minha Carne é verdadeiramente comida, e o meu Sangue é verdadeiramente bebida.”
(João 6, 55)
 
“O Cálice que tomamos não é a Comunhão com o Sangue de Cristo? O Pão que partimos não é a Comunhão com o Corpo de Cristo?”
(1ª aos Coríntios 10, 16)
 
A IGREJA SEMPRE CREU NA INTECESSÃO DOS SANTOS, QUE ROGAM POR NÓS NO CÉU
 

“E a fumaça do incenso subiu com as orações dos santos, da mão do anjo, diante de Deus.”
(Apocalipse 8, 4)

“Aqui (no Céu) está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os Mandamentos de Deus e a Fé em Jesus.”
(Apocalipse 14, 12)
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