O exercício que sugerimos visa a contemplação amorosa de Deus, que faz surgir na alma a mais profunda humildade. É fundamentado no método descrito na obra “A nuvem do não saber”, clássico da espiritualidade cristã que é um tratado sobre a contemplação, escrito por um monge, místico e teólogo anônimo do século XIV. Especula-se que nosso Doutor Místico, São João da Cruz, teve contato com essa obra, tendo sido influenciado por ela, assim muitos autores seus contemporâneos[1]. Dizemos que é uma meditação que visa a contemplação porque, segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC) e a sagrada Tradição, essas duas coisas, embora semelhantes, têm certas diferenças, a saber: A meditação é sobretudo uma busca pela qual o espírito procura compreender a vida cristã, para aderir e corresponder ao que Deus quer; exige atenção disciplinada (CIC 2705). A contemplação é (no dizer de Santa Teresa de Jesus) “nada mais que um compartilhamento próximo entre amigos; significa dedicar tempo para ficar a sós com Ele, que sabemos que nos ama”; é “a expressão simples do mistério da oração, um olhar de Fé fixo em Jesus, um amor silencioso. Realiza a união com a oração de Cristo, na medida em que nos faz participar no seu Mistério” (CIC 2724).
Assim, de certo modo, podemos dizer que a contemplação é o elevar-se da meditação, é o próximo degrau depois desta. Por essa razão, a meditação que sugerimos será executada com perfeição se, a partir dela, o meditante alcançar o estado contemplativo.
Segue o passo a passo.
Preparação
a) O primeiríssimo preparativo é estar em estado de graça, isto é, ter-se confessado bem e cumprido a devida penitência. Mas também é possível fazer esta prática sem essa condição, desde que se faça antes ao menos um breve exame de consciência e um ato de contrição[2].
b) Escolher um local solitário, silencioso e tranquilo, em que poderá permanecer sem ser incomodado pelo período de tempo que for predeterminado. Aconselha-se começar com um tempo em torno de 15 minutos de prática, o que já é suficiente, podendo ser aumentado caso se queira persistir na prática, tornando-a um maravilhoso hábito diário, ou que seja feito sempre a intervalos regulares. A longo prazo, não há limites de tempo rígidos, nem para mais e nem para menos. Poder-se-há meditar/contemplar por
um minuto ou por várias horas seguidas, desde que se saiba fazê-lo bem.
c) Colocar-se sentado, tranquilamente, de modo que seja confortável e cuja posição não vá incomodar depois do tempo previsto, para que não interfira no estado contemplativo que se pretende alcançar.
d) Peça que alguém o chame quando terminar o tempo predeterminado para a prática ou, melhor do que isso, use algum despertador ou alarme previamente programado, para que sua atenção não seja desviada pela questão do tempo, que deve ser completamente esquecido (o lugar para onde queremos ir não é de modo algum afetado pelo correr do tempo).
A Oração preparatória
Este “degrau” é sumamente necessário. Reze suplicando a Deus Nosso Senhor pela graça para que todas as suas intenções e pensamentos sejam puramente ordenados para serviço e louvor de sua divina Majestade, segundo a sua santa Vontade. Esta oração deve ser feita com fé e confiança e com palavras próprias, sendo obrigatório citar o Santo Nome de Jesus, e deve ser precedida por uma récita da Ave Maria e do Pai Nosso. Deve-se pedir o auxílio de Nossa Senhora e pode-se pedir o auxílio do Anjo da
Guarda e/ou do Santo pelo qual se tenha especial devoção. Isto deve ser feito até que uma calma e uma paz profundas tomem conta da mente e da alma do praticante. A partir daí, deve-se guardar um gentil e sereno silêncio.
Preâmbulo – domar a imaginação
Como preâmbulo para “entrar” na prática, pode-se usar um objeto de devoção, como um Crucifixo ou imagem do Sagrado Coração de Jesus ou do Imaculado Coração de Maria, ou ainda a pronúncia de uma palavra que se queira repetir mentalmente (ou em sussurro) para aquietar os pensamentos, como se faz na prática do Rosário, quando não devemos prestar atenção às récitas das Aves-Maria, e sim aos mistérios que se quer meditar. Essa palavra pode ser (é muito recomendado que seja) o Santo Nome Jesus, ou então alguma jaculatória calmante, como “Eu vos adoro e agradeço, ó Criador de todas as coisas”, ou um versículo bíblico que conforte, como os do Salmo 45: “Aquietai-vos e sabei que Eu Sou Deus” (Sl 45, 11); “Está conosco Jesus, o Senhor”; “Nosso Protetor é Deus” (Sl 45,12), ou ainda a citação do Magnificat de Maria Santíssima: “Meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46).
A prática em si
Toda prática santa e perfeita se traduz em coisa simples, como amar a Deus e ao próximo ou perdoar as ofensas recebidas. Sabendo que “uma só coisa é necessária”, simplesmente eleve seu coração, mente e alma para Deus, coloque-se aos pés de Cristo com Maria, irmã de Marta, e deixe que um grande impulso de amor o leve à adorá-lo com absoluta entrega e devoção, como se nada mais existisse ou importasse. Lembre-se que tudo, absolutamente tudo o que você possui, a começar pela própria vida, lhe foi dado por Ele, e que tudo, absolutamente tudo o que você deseja e tudo o que realmente precisa, vem d’Ele. Esqueça-se completamente de todas as coisas criadas, soterrando-as e apagando-as dos seus pensamentos: esta é uma parte essencial deste processo de elevação e união com Deus. Este processo é purificador e o fará crescer em virtude, mas não pense em nada disso agora. Apenas ame e adore Jesus, seu Salvador e Senhor, que quer salvá-lo(a) para a vida eterna e premiá-lo com imensas alegrias e consolações sem fim.
“Por que te preocupas e andas agitada por muitas coisas, se uma só coisa é
necessária? Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.”
(Lc 10,41s)
Permaneça neste estado meditativo/contemplativo pelo tempo predeterminado. Se você se distrair durante a prática e os seus pensamentos se desviarem em preocupações ou devaneios (isso deverá mesmo acontecer, nas primeiras tentativas), simplesmente esqueça-os, abandone-os e retome o foco na adoração do Senhor e em sua santa Presença. Com o tempo e a persistência, essas distrações como que “morrerão por inanição”. Se fizer tudo da maneira certa, logo desejará permanecer aí por muito mais tempo.
Encerramento
O alarme tocou, avisando que o tempo predeterminado acabou. Faça uma oração de agradecimento usando suas próprias palavras (é preferível) ou então diga esta:
Dou-vos graças, meu Deus, pelos bons propósitos, afetos e inspirações que me comunicastes nesta meditação. Peço-vos ajuda para os pôr em prática. Minha Mãe Imaculada, São José meu pai, meu santo Anjo da Guarda, sede meu auxílio e intercedei por mim. Amém.
Por fim, pode-se facultativamente anotar em uma folha de papel ou caderno, que deverá ser previamente providenciado, alguma observação que se queira, porque neste momento a mente estará aliviada, profundamente relaxada e apta a captar as boas inspirações que o Céu incessantemente nos envia. Alguma resposta ou compreensão que surgiu quando meditávamos, alguma resposta ou alguma iluminação que poderá ser depois esquecida, na agitação do cotidiano, poderá ser assim registrada
para ser depois relembrada.
Notas:
[1] Em “A nuvem do não-saber” explica-se que a superação do pecado é sempre fruto da Graça de Deus, que vem em auxílio da natureza. Unir-se a Deus, pois, é a única meta dos que buscam a contemplação; essa união é de amor e de acordo de vontades: a vontade humana alinha-se à Vontade de Deus e ocorre uma transformação benéfica profundíssima. Deve haver esforço da parte da pessoa: ela deve buscar esquecer tudo, tornar-se “cega” e eliminar todo desejo de saber (como que penetrar em uma nuvem de não-saber); sua única intenção e meta deve ser Deus; por isso, apenas Deus deve operar na inteligência e na vontade, nada mais. Na contemplação a alma não se detém nem mesmo em coisas boas, como as virtudes, e menos ainda nos vícios, pois esse estado exige tranquilidade total e disposição da alma para superar tudo em Deus. O autor orienta àqueles que buscam trilhar esse caminho, que primeiro onheçam-se a si mesmos, lutando para chegar a uma reta consciência de si, que é o que estamos sugerindo como prática espiritual neste ponto de nossa formação. Neste exercício se encontra e preserva a humildade, essa virtude necessária aos que desejam se unir a Deus (Ref.: Leonardo Henrique Agostinho, MSC Religioso da Congregação dos Missionários do Sagrado Coração).
[2] Para saber mais, caso necessário, acessar:
https://ofielcatolico.com.br/2019/10/sobre-contricao-perfeita.html