Módulo 2: Dogmática 3 | A Fé divina II

“Cogito, ergo sum” (‘Penso, logo existo’), percebeu, num vislumbre genial, o Pai da Filosofia Moderna[1].Ele tinha decidido descartar absolutamente todas as convicções ou certezas adquiridas pela humanidade até então, e esta era a primeira verdade que ele pudera confirmar por si mesmo, a primeira certeza absoluta e insofismável que ele descobriu que possuía, a qual podia afirmar sem medo. Mas, depois deum tempo, sob o risco de cair num solipsismo inescapável, precisou reconhecer que ele próprio não era a causa de si mesmo, que tinha que haver algo antes dele que lhe deu origem e – mais além, constituindo esta a sua terceira prova da existência de Deus –, era necessário existir também Aquele que garante a contingência do espírito humano. Em outras palavras, assim como não podemos nos gerar a nós mesmos, não podemos conservar a nossa própria existência por meio de nossas próprias forças.

Dizendo mais resumidamente, não podemos garantir nem a nossa existência e nem a nossa continuidade, mas apesar disso existimos e nos conservamos existindo, pelo tempo que nos é dado. Logo, é preciso existir algo exterior a nós mesmos que garanta essa nossa existência. Aí está uma bela prova da existência de Deus, dada por um personagem que os católicos tradicionais costumam desprezar[2]. De modo semelhante e por consequência, é preciso existir algo que nos guie até um conhecimento que é, por sua própria natureza, superior às capacidades humanas. Seres finitos e imperfeitos que somos, estudamos matérias relacionadas às realidades infinitas e perfeitas (divinas). A Fé cristã, portanto, não é o fruto de uma conquista humana, mas está fundada sobre um puro Dom, uma comunicação do Alto; é inútil esforçar-se para elevar tanto o nosso pensamento até que alcance Deus: para que sejamos capazes de avançar, é Ele mesmo Quem deve nos descer ao encontro, tornar-se presente à nossa inteligência a fim de revelar os seus segredos, aqueles que Ele, em sua sabedoria infinita, julgar convenientes. Assim Ele nos fala por vias e de modos que nos são acessíveis[3]. Deus nos fala porque, em seu incompreensível Amor, quer nos fazer partilhar algo de sua Vida, cá na Terra, e nos chamar mais tarde à posse inebriante dessa mesma Vida. Ora o viver, para o espírito, é conhecer e amar: a comunicação de conhecimentos sobre Deus, tal é a Fé, assim como a caridade é comunicação do Amor divino. Por ser sobrenatural, esse nosso destino escapará inevitavelmente ao alcance da razão. Era, pois, inevitável esse caos de opiniões humanas – quando essas opiniões são desvinculadas da condução da Igreja, dada por Deus mesmo –, sobre o sentido da vida: só Deus nos pode dar a plena solução do maior de todos os problemas; só Ele nos pode fazer conhecer seus livres desígnios. A Revelação é essa Mensagem de Deus ao homem.

Nas Sagradas Escrituras, a cada passagem das Epístolas e dos Atos, repetem os Apóstolos que a nossa Religião, por eles pregada, não é uma invenção própria, nem mesmo eles a receberam ou aprenderam de homem algum, mas pela Revelação de Deus-Jesus Cristo.

Não o recebi de pessoa alguma nem me foi ele ensinado; pelo contrário, eu o
recebi de Jesus Cristo por revelação.
(Gl 1,12)


A judeus e gentios, os enviados do Senhor se apresentam como simples arautos
de Cristo, obedientes à ordem de levar a mensagem de salvação a todos os povos:

Eu recebi do Senhor aquilo que também vos transmiti.
(1Cor 11,23)

Eu vos lembro, irmãos, o Evangelho que vos preguei, e que tendes acolhido, no qual estais firmes. Por ele sereis salvos, se o conservardes como vo-lo preguei. De outra forma, em vão teríeis abraçado a Fé. Eu vos transmiti primeiramente o que eu mesmo havia recebido.
(1Cor 15, 1-3)


Esse Cristo a quem apelam, de quem são arautos, dissera-lhes: “Não mais vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo aquilo que ouvi de meu Pai” (Jo 15, 15). Cristo é o Verbo, Palavra do Pai. Encarnando-se, vem manifestar e dar a conhecer ou revelar o Pai. Ser a “Luz dos homens” (Jo 1,4) é a sua função própria; para isso nasceu, para isso veio ao mundo. Todavia, não para espargir luz criada ou saber humano, mas veio em Nome do Pai para irradiar Luz incriada, manifestar o Pai:

Quem crê em Mim, crê não em Mim, mas n’Aquele que me enviou; e aquele que me vê vê Aquele que me enviou. (…) o que digo, digo-o segundo me falou o Pai.
(Jo 12,44-45.50)


Ele é de tal forma o Redentor que não apenas ouvindo-lhe as palavras, mas simplesmente conhecendo-o, conhecemos a seu Pai. O fiel comum, que por vezes se sente desnorteado com os mais altos conceitos teológicos e que indaga o que significa exatamente o termo “Revelação”, abra o Evangelho e veja como, dia após dia, o Verbo encarnado instrui aos seus discípulos; como aos poucos lhes infunde nas almas os conhecimentos acerca do Pai – vindos do próprio Pai –, e terá uma noção concreta do que seja a Revelação: a manifestação, por Deus, das verdades sobre Deus.

Neste ponto cabe uma observação muito importante: a verdadeira Revelação divina é essencialmente diferente ou mesmo contrária àquelas doutrinas das muitas escolas herméticas e ocultistas ou alternativas, que apresentam versões heterodoxas do Cristianismo, sempre baseadas em interpretações e elucubrações meramente humanas sobre os Livros sagrados e as tradições antigas, ou em miscelâneas de distintas doutrinas, muitas vezes com elementos da espiritualidade oriental. E em quais pontos, exatamente, é assim tão diferente? Além do que terminamos de ver, a procedência do Alto, a diferença está no fato de que a verdadeira Revelação nos é dada apenas em parte, avança até certo ponto, faz-nos descobrir as bases do que há por trás do Véu do Mistério Divino, sem o elucidar por completo. “Hoje vemos como que por um espelho, confusamente”, diz o Apóstolo; “mas então (somente no Céu, ou quando retornar o Cristo, glorioso) veremos face a Face”. E reitera: “Hoje conheço [somente] em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido” (1Cor 13,12).

O Céu não nos revelou tudo, ainda. Nesta etapa da grande jornada humana, não recebemos de Deus o dom de conhecer tudo o que há para ser conhecido, e de fato estamos muitíssimo longe disso. Não nos cabe saber detalhes sobre como será a nossa vida no Céu, ou quanto às realidades angélicas, às glórias celestes de Nossa Senhora e dos Santos, como são as suas moradas, de que modo se constituem os corpos gloriosos, nem outras minúcias semelhantes a estas. O que a Revelação nos dá é a certeza do caminho a ser seguido, e nos diz o que devemos e o que não devemos fazer enquanto caminhamos neste mundo de dores. E o nosso caminhar deve ser sempre mais e mais célere e firme, e sem desvios, continuamente mais ao fundo do grande Mistério, da santidade absoluta, sabendo que santidade significa separar-se de tudo o que é vão, fútil, efêmero, temporário, enganoso e potencialmente perigoso para a alma.

Duc in altum! Ruma mar adentro, avançando sempre para as águas mais profundas (Lc 5,4.10), é o que nos ordena Nosso Senhor, assim como mandou a Pedro.

[1] DECARTES, René. Discurso do Método, 1637.

[2] Já que René Descartes inadvertidamente veio a se tornar um dos principais causadores de um grande mal ao pensamento filosófico, pela ruptura com a tradição e a inauguração de um novo modo de conceber a vida, o homem e a natureza, por meio do conhecimento racional, algo que redundaria no cientificismo que até hoje nos assola. A este autor que vos fala, porém, parece que ele tentava ser um bom católico e que ainda mereça algum respeito de nossa parte. Em anexo especial deste módulo, disponibilizaremos o resumo completo das suas três provas da existência de Deus.

[3] É uma experiência universalmente compartilhada pelos cristãos o ouvir a “voz de Deus” a lhes falar diretamente, seja em uma homilia, em uma pregação ou por meio de uma boa leitura, por exemplo; muitas vezes aquela mensagem esclarece alguma dúvida atroz, dá um direcionamento preciso ou até faz cessar uma grande angústia. Isso se dá, como é evidente, em parte porque muitos dos problemas que os cristãos enfrentam são comuns e compartilhados por muitos ou até por todos. Todavia, em grande medida essas comunicações se referem a problemas e situações realmente tão específicos que dificilmente seriam inexplicáveis pela mera coincidência.

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A BÍBLIA CONFIRMA A SANTA IGREJA

A BÍBLIA COMO “ÚNICA REGRA” É HERESIA:
 
“Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular.”
(2 Pedro 1,20)
 
“Escrevo (a Bíblia) para que saibas como comportar-te na Igreja, que é a Casa do Deus Vivo, a coluna e o fundamento da Verdade.”
(1Timóteo 3,15)
 
“…Vós examinais as Escrituras, julgando ter nelas a vida eterna. Pois são elas que testemunham de Mim, e vós não quereis vir a Mim, para terdes a vida.”
(João 5,39-40)
 

“Porque já é manifesto que vós (a Igreja) sois a Carta de Cristo, ministrada por nós (Apóstolos), e escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração (…); o qual nos fez também capazes de ser ministros de um Novo Testamento, não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica.”
(2Cor 3,3.6)

A IGREJA SEMPRE OBSERVOU A TRADIÇÃO APOSTÓLICA
 

“Em Nome de nosso Senhor Jesus Cristo, apartai-vos de todo irmão que não anda segundo a Tradição que de nós recebeu.”
(2 Tessalonicenses 3,6)

“Então, irmãos, estai firmes e guardai a Tradição que vos foi ensinada, seja por palavra (Tradição), seja por epístola nossa (Bíblia). ”
(2 Tessalonicenses 2, 15)
 
JESUS CRISTO INSTITUIU O PAPADO
 

“Tu és Pedra, e sobre essa Pedra edifico a minha Igreja (…). E eu te darei as Chaves do Reino dos Céus; e tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus.”
(Mateus 16, 18)

“(Pedro,) apascenta o meu rebanho.”
(João 21,15-17)

“Irmãos, sabeis que há muito tempo Deus me escolheu dentre vós (Apóstolos), para que da minha boca os pagãos ouvissem a Palavra do Evangelho.”
– S. Pedro Apóstolo, primeiro Papa da Igreja de Cristo (Atos dos Apóstolos 15, 7)
 
“Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, confirma os teus irmãos.”
– Jesus Cristo a S. Pedro (Lucas 22, 31-32)
 
A IGREJA SEMPRE VENEROU MARIA COMO MÃE DE DEUS
 

“Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe do Senhor? (Mãe do Senhor = Mãe de Deus, pois Jesus é Deus)”
O Espírito Santo pela boca de Isabel à Virgem Maria (Lucas 1,43)

“De hoje em diante, todas as gerações me proclamarão Bem-aventurada!”
– Santíssima Virgem Maria, Mãe de Nosso Senhor
(Lucas 1, 48)

NÃO HÁ VÁRIAS IGREJAS E SIM UMA SÓ
 

“Há um só Senhor, uma só Fé, um só Batismo”
(Efésios 4,5)

“Ainda que nós ou um anjo baixado do Céu vos anuncie um evangelho diferente do nosso (Apóstolos), que seja anátema.”
(Gálatas 1, 8)

NÃO HÁ SALVAÇÃO SEM A EUCARISTIA
 

“Em Verdade vos digo: se não comerdes da Carne e do Sangue do Filho do homem, não tereis a Vida em vós mesmos.”
(João 6, 56)

“Minha Carne é verdadeiramente comida, e o meu Sangue é verdadeiramente bebida.”
(João 6, 55)
 
“O Cálice que tomamos não é a Comunhão com o Sangue de Cristo? O Pão que partimos não é a Comunhão com o Corpo de Cristo?”
(1ª aos Coríntios 10, 16)
 
A IGREJA SEMPRE CREU NA INTECESSÃO DOS SANTOS, QUE ROGAM POR NÓS NO CÉU
 

“E a fumaça do incenso subiu com as orações dos santos, da mão do anjo, diante de Deus.”
(Apocalipse 8, 4)

“Aqui (no Céu) está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os Mandamentos de Deus e a Fé em Jesus.”
(Apocalipse 14, 12)
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