Módulo 6: Dogmática 2 | sobre os milagres como provas

Cabe bem, neste ponto, falar de um motivo de credibilidade certíssimo de que dispomos: o milagre. Não é necessário ter Fé para reconhecer um verdadeiro milagre, quando se trata de um fenômeno público. Entretanto, verificamos no Evangelho como alguns, ao ver Jesus operar prodígios, logo criam n’Ele, enquanto que outros se retraíam, duvidavam, e outros ainda até blasfemavam, zombando do seu poder divino. As curas maravilhosas, diziam alguns, eram obras de Beelzebul (hoje invocam-se capacidades naturais desconhecidas) ou que não eram ainda provas suficientes: “Mostre-nos um sinal no Céu”, pediam, “e então acreditaremos” (Mc 8,11), ao mesmo tempo em que ignoravam os muitos que já lhes haviam sido dados.

É que o milagre ainda não força nossa adesão com o rigor de uma prova matemática; é “apenas” um sinal revelador da Presença do Transcendente, que nos coloca em posição favorável para discernir, pela Fé, a manifestação do Supranatural, de sorte que nos apareça como claro o dever de aceitar a Doutrina verdadeira, confirmada por tais portentos. Mas, como todo sinal, carece de interpretação, e poderá a inteligência vir a ser perturbada por disposições morais contrárias, se não ao milagre mas à Doutrina que ele confirma; assim, muitos ainda não verão o que estiver diante dos seus olhos: “Não compreendestes ainda? Tendes ainda o vosso coração endurecido? Tendo olhos, não vedes? Tendo ouvidos, não ouvis?” (Mc 8, 17-18).

Aí está a resposta para muitos que perguntam: “Se Deus quer que acreditemos, porque não manda um grande milagre?”. Há uma frase bem conhecida e utilizada por diversos autores, cuja autoria é desconhecida, mas que de fato é uma feliz condensação/adaptação do que diz Santo Tomás de Aquino em sua Suma Teológica, e é esta: “Para os que creem, nenhuma prova é necessária; para os que não creem, nenhuma prova é possível”[4]. Seja como for, o milagre não o é bastante para dispensar a Fé e substituí-la pela evidência. Milagres são sinais, e um sinal está sempre ligado à realidade significada, é realmente dependente desta: mensageiros do Supranatural, os milagres são inseparáveis deste, de maneira que se configuram, sim, em evidências, mas que têm por finalidade apontar o Mistério que os realiza.

“Sábia e louca é a nossa religião”, comenta Pascal:

Sábia, porque é a mais esclarecida e fundada em milagres, profecias, etc. Louca porque não é por tudo isso que estamos dentro dela; tudo isso por certo condena os de fora, mas não faz crer os de dentro. O que os faz crer é a Cruz.
(Pensées)[5]

Os Anjos, anunciando aos pastores o nascimento do Salvador, não exigiram que eles cressem sem motivo; deram-lhes um sinal: “Achareis um menino envolto em panos, deitado numa manjedoura” (Lc 2, 12). Um sinal desconcertante, sem dúvida; nem os sentidos nem a razão poderiam descobrir, através de circunstâncias tão simples e humildes – em situação tão miseravelmente humana –, o Salvador do Mundo. Era ainda necessário que tivessem Fé nas vozes celestiais, porque não só por serem anjos o que diziam era necessariamente verdadeiro (não são os demônios anjos decaídos?). Assim, dirá o Bom Jesus: “Bem-aventurados os que não viram e creram!” (Jo 20, 29); e ainda: “Louvo-te, ó Pai, Senhor dos Céus e da Terra, que ocultastes estas coisas aos sábios e aos entendidos, e as revelastes aos pequeninos! Sim, ó Pai, porque assim te aprouve!” (Mt 11, 25-26).

Basta notar que, embora ouvissem os mais belos ensinamentos, presenciassem os mais retumbantes milagres e escutassem os mais comoventes apelos, por exemplo os fariseus não se renderam. Tudo falha, tudo se torna em vão contra almas hermeticamente fechadas contra a Verdade. Por isso é que em nossos dias – de severíssima crise espiritual e moral –, vemos tantas disputas entre lados opostos, e tão poucos acordos entre partidários de opiniões conflitantes Espíritos soberbos não se curvam; não se busca mais a verdade e, não se buscando, não se pode encontrá-la. O verdadeiro sábio, por óbvio, é aquele que busca a verdade e, quando a encontra, dobra-se diante dela, mesmo que essa verdade contrarie a tudo o que ele pensava saber, ou a tudo que ele gostaria que fosse verdade.

Os soberbos fariseus não se poderiam curvar diante de um pobre carpinteiro; corações endurecidos não podiam crer no Amor Encarnado.

…a Luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a Luz, porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que faz o mal odeia a Luz, e não vem para a Luz, para que as suas obras não sejam [descobertas e] reprovadas.
(Jo 3, 19-20)

“E, tendo Ele (Jesus) feito tantos milagres em sua presença, não criam nele”; nem mesmo “podiam crer” (Jo 37,39). Vendo ressuscitado Lázaro, não podiam negar o prodígio, mas renegavam a sua origem: “Este homem faz muitos milagres” (Jo 11, 47); ainda assim, longe de se renderem, decidiram matar a Jesus e a Lázaro (Jo 11,50, 53; 12,10)! Quão covardes e maus eram esses homens, podemos pensar, mas, em nível mais sutil, quantos entre nós, hoje, não fazem exatamente o mesmo ou mantém a mesma atitude, e talvez ainda pior?

Ora o que até aqui foi dito sobre a liberdade da Fé poderia induzir os incautos a entender que não nos cabe o dever de crer, e logo que, ao falar de Fé, tratemos de algo facultativo. Com efeito, nos momentos de lazer eu sou “livre” de sair a passeio, ou de conversar sobre banalidades, ou ler, ou dormir e descansar, etc.: claro está que nesse caso não me cabe obrigação moral de fazer uma coisa em preferência à outra. Mas a Fé, muito ao contrário, não deixa “livre” no sentido moral de não obrigatoriedade; é livre apenas no sentido psicológico, de não necessitar de uma evidência intelectual. Dizendo mais claramente: há uma liberdade – moral – que provém da não exigência de um dever; há uma liberdade – psicológica – que resulta da não exigência de um determinismo. No primeiro sentido, a Fé não é livre, pois exige obrigação moral de crer no Testemunho divino; no segundo sentido a Fé é livre, pois os motivos de crer não determinam o assentimento. Descrer é sempre possível (psicologicamente falando), embora isso nunca seja moralmente lícito.

De modo semelhante, a ética cristã não nos deixa livres para pecar, mas antes obriga-nos a não pecar; todavia, mantemos, psicologicamente, a triste liberdade de pecar. Arcaremos depois, é claro e inevitavelmente, das terríveis consequências dessa escolha. Donde fica clara – seja dito de passagem – a grande cautela com que devemos empregar o vocábulo “liberdade”, aqui, e a cautela maior ainda com que podemos exaltar a liberdade. Depende de qual liberdade seja. Falaremos mais a respeito da liberdade dos cristãos, fundamentada na autêntica Teologia, em nossa próxima aula.


Notas:

[4] Há inúmeras fontes que unanimemente citam o confuso economista norte-americano Stuart Chase como autor desta célebre sentença, embora também seja atribuída com frequência a Franz Werfel, Joseph Dunninger e ao próprio Santo Tomás, sendo que este expõe a mesma lógica em seu Tratado sobre a Fé (ST IIa IIae).

[5] PASCAL, Blaise, Pensées (Pensamentos), apud PENIDO (1956), p.20.

Compartilhe com outros assinantes!

CONTINUE NAVEGANDO PELO CURSO:

AVISO aos comentaristas:
Este não é um espaço de “debates” e nem para disputas religiosas que têm como motivação e resultado a insuflação das vaidades. Ao contrário, conscientes das nossas limitações, buscamos com humildade oferecer respostas católicas àqueles sinceramente interessados em aprender. Para tanto, somos associação leiga assistida por santos sacerdotes e composta por profissionais de comunicação, professores, autores e pesquisadores. Aos interessados em batalhas de egos, advertimos: não percam precioso tempo (que pode ser investido nos estudos, na oração e na prática da caridade) redigindo provocações e desafios infantis, pois não serão publicados.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

PESQUISA POR PALAVRA

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

QUEM SOMOS

CATEGORIA DE POSTS

ADQUIRA LIVROS CATÓLICOS COM O SEU DESCONTO EXCLUSIVO DE ASSINANTE

Cupom de desconto para a Loja Obras Católicas:
ofielcatolico
Cupom de desconto para a Livraria Santa Cruz: OFIELCATOLICO10

DESTAQUES DA SEMANA

GUIA DO FIEL CATÓLICO

A BÍBLIA CONFIRMA A SANTA IGREJA

A BÍBLIA COMO “ÚNICA REGRA” É HERESIA:
 
“Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular.”
(2 Pedro 1,20)
 
“Escrevo (a Bíblia) para que saibas como comportar-te na Igreja, que é a Casa do Deus Vivo, a coluna e o fundamento da Verdade.”
(1Timóteo 3,15)
 
“…Vós examinais as Escrituras, julgando ter nelas a vida eterna. Pois são elas que testemunham de Mim, e vós não quereis vir a Mim, para terdes a vida.”
(João 5,39-40)
 

“Porque já é manifesto que vós (a Igreja) sois a Carta de Cristo, ministrada por nós (Apóstolos), e escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração (…); o qual nos fez também capazes de ser ministros de um Novo Testamento, não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica.”
(2Cor 3,3.6)

A IGREJA SEMPRE OBSERVOU A TRADIÇÃO APOSTÓLICA
 

“Em Nome de nosso Senhor Jesus Cristo, apartai-vos de todo irmão que não anda segundo a Tradição que de nós recebeu.”
(2 Tessalonicenses 3,6)

“Então, irmãos, estai firmes e guardai a Tradição que vos foi ensinada, seja por palavra (Tradição), seja por epístola nossa (Bíblia). ”
(2 Tessalonicenses 2, 15)
 
JESUS CRISTO INSTITUIU O PAPADO
 

“Tu és Pedra, e sobre essa Pedra edifico a minha Igreja (…). E eu te darei as Chaves do Reino dos Céus; e tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus.”
(Mateus 16, 18)

“(Pedro,) apascenta o meu rebanho.”
(João 21,15-17)

“Irmãos, sabeis que há muito tempo Deus me escolheu dentre vós (Apóstolos), para que da minha boca os pagãos ouvissem a Palavra do Evangelho.”
– S. Pedro Apóstolo, primeiro Papa da Igreja de Cristo (Atos dos Apóstolos 15, 7)
 
“Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, confirma os teus irmãos.”
– Jesus Cristo a S. Pedro (Lucas 22, 31-32)
 
A IGREJA SEMPRE VENEROU MARIA COMO MÃE DE DEUS
 

“Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe do Senhor? (Mãe do Senhor = Mãe de Deus, pois Jesus é Deus)”
O Espírito Santo pela boca de Isabel à Virgem Maria (Lucas 1,43)

“De hoje em diante, todas as gerações me proclamarão Bem-aventurada!”
– Santíssima Virgem Maria, Mãe de Nosso Senhor
(Lucas 1, 48)

NÃO HÁ VÁRIAS IGREJAS E SIM UMA SÓ
 

“Há um só Senhor, uma só Fé, um só Batismo”
(Efésios 4,5)

“Ainda que nós ou um anjo baixado do Céu vos anuncie um evangelho diferente do nosso (Apóstolos), que seja anátema.”
(Gálatas 1, 8)

NÃO HÁ SALVAÇÃO SEM A EUCARISTIA
 

“Em Verdade vos digo: se não comerdes da Carne e do Sangue do Filho do homem, não tereis a Vida em vós mesmos.”
(João 6, 56)

“Minha Carne é verdadeiramente comida, e o meu Sangue é verdadeiramente bebida.”
(João 6, 55)
 
“O Cálice que tomamos não é a Comunhão com o Sangue de Cristo? O Pão que partimos não é a Comunhão com o Corpo de Cristo?”
(1ª aos Coríntios 10, 16)
 
A IGREJA SEMPRE CREU NA INTECESSÃO DOS SANTOS, QUE ROGAM POR NÓS NO CÉU
 

“E a fumaça do incenso subiu com as orações dos santos, da mão do anjo, diante de Deus.”
(Apocalipse 8, 4)

“Aqui (no Céu) está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os Mandamentos de Deus e a Fé em Jesus.”
(Apocalipse 14, 12)
plugins premium WordPress