Por que odiamos? Qual é a função do ódio?
A Psicologia já demonstrou há tempos, acertada e inequivocamente, que o ódio é um afeto humano inegável. Todos odiamos alguma coisa e esse afeto revela a existência de uma dimensão psíquica de destruição que pode ter como alvo próximo, o próprio Eu ou algum objeto externo [1]. Além disso, destacam-se as suas funções de ‘auxiliar o processo de separação entre o Eu e o objeto” (que pode ser necessário em muitas ocasiões) e até “de manter a sobrevivência psíquica” [2].
Todavia, muitos tendem a considerar que odiar ou detestar alguma coisa é necessariamente pecado. Como conciliar uma força psíquica que é inerente à nossa própria natureza, portanto inevitável, com a exigência que nos faz Deus. Ora é verdade que odiar o próximo é pecado. E o próximo é toda e qualquer pessoa, especialmente aquela que, humanamente, consideraríamos como a mais desprezível, como deixa claro a Parábola do Samaritano, que nos ensina a amar mesmo nossos inimigos. Nosso Senhor ainda vai insistir em dizer a mesma coisa, categoricamente, em Lc 6,27-49 e Mt 5,43-44: “Ouvistes o que foi dito: ‘Ama o teu próximo e odeia o teu inimigo; Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem”.
Parece difícil, certo? Reprimir irrestritamente a qualquer sentimento de repulsa ou aversão dentro de nós poderá resultar em uma poderosa explosão de fúria mais à frente, o que pode ser pior. Que fazer, então, do ódio que todos carregamos dentro de nós? O Espírito Santo o respondeu, pela pena dos santos autores das Sagradas Escrituras:
O Salmo 97 declara: “Vós que amais ao Senhor, odiai o mal…” (10). Outra tradução possível é: “O Senhor ama quem detesta o mal…”.
Já o Profeta Amós ordena: “Detestai o mal, amai o bem, fazei reinar a justiça…” (5,15).
São Paulo Apóstolo ensinou em sua Carta aos Romanos: “…Detestai o mal…” (12,9).
O Livro de Provérbios é ainda mais direto: “O temor do Senhor é o ódio ao mal” (8,13).
Algumas verdades são repetidas muitas vezes nas Sagradas Escrituras, justamente por tratarem de problemas fundamentais para a nossa salvação. Há um princípio comum a todos esses ensinamentos ou, antes, todas essas passagens e várias outras trazem um só ensinamento: todos aqueles que pertencem a Deus devem odiar o pecado.
Todo cristão deve direcionar seu ódio ao mal, ao pecado, a todo vício e a tudo aquilo que o afasta de Deus. Não aos pecadores, não a pessoas, mas ao pecado e aos seus maus frutos.
Ninguém pode cumprir o Primeiro Mandamento e amar a Deus se tolerar em si o pecado. Deus é Santo, Puro e Bom. Isaías viu a Glória de Deus e os serafins clamando uns aos outros em torno do Trono do Altíssimo: “…Santo, Santo, Santo…”. Dizer que Deus é Santo é dizer que Ele é radicalmente separado do pecado, e que não o tolera.
Assim, qualquer pessoa que pretenda conhecer a Deus precisa odiar o maior mal, que é o pecado. E qualquer pessoa que, conforme seu limitado alcance, venha a conhecer Deus, desejará crescer em santidade e bondade, e amará mais perfeitamente a Deus. Amar a Deus, diz São Francisco de Sales, é a verdadeira devoção do cristão. Consequentemente, amar a Deus faz odiar o mal, e vice-versa: podemos começar por uma coisa ou por outra, mas não se vence o mal ou o pecado por uma via positiva, e sim pela aversão: pelo ódio assim direcionado.
Seguir Nosso Senhor Jesus é aprender a odiar o pecado, um pouco mais a cada dia, pois somente assim podemos vencê-lo, superando nossas falhas e vícios. O Cristo foi exaltado, da humilhação suprema da Cruz, acima de tudo e todos, porque como homem Ele tinha o mais verdadeiro amor à justiça e o mais puro ódio ao pecado.
“O teu Trono, ó Deus, subsiste para a eternidade. O cetro do teu Reino é cetro de justiça. Amaste a justiça e odiaste a iniquidade. Por isso, ó Deus, o teu Deus te ungiu com óleo de alegria!..” (Hb 1,8-9)
Ama Jesus, Nosso Salvador, e Maria Santíssima, sua Mãe, e aos Santos, nossos irmãos, e aos Anjos de Deus. nossos adjutores: aprende a cada dia a odiar, com todas as tuas forças, o pecado.
Notas:
[1] JEAMMET, N. Ódio. In A. Mijolla (Org.), Dicionário internacional de psicanálise: conceitos, noções, biografias, obras, eventos, instituições. Rio de Janeiro: Imago, 2005, p. 1310.
[2] BARROS, M. N. C. A trama paradoxal do ódio no psiquismo. Tese de doutorado, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, disp. em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=1340956&pid=S0103-5835201900010000500001&lng=pt
Acesso 22/2/2024.